quinta-feira, 3 de novembro de 2005

A ilusão francesa e a via britânica

Maria de Fátima Bonifácio, no Público de quarta-feira (02/11/05), critica o desequilíbrio que se instalou entre direitos e deveres na definição da nossa cidadania social. E tem razão. Como tem razão na crítica às resistências corporativas à reforma dos sistemas de protecção social em Portugal. Mas não tem qualquer razão em concluir daí que a raiz de todos os males estaria no “modelo social europeu”, o qual atingiria o cume da irresponsabilidade na pérfida França. Façamos-lhe porém a vontade e troquemos de referências. Por exemplo, adoptando a terceira via britânica que tem entre os seus objectivos centrais reequilibrar protecção social com autonomia individual e responsabilidade. Mas adoptando, também, a sua política económica. E sonhemos então, como sugere Guillaume Duval num texto que antecedeu a chamada “cimeira informal” de Hampton Court, sonhemos que Tony Blair consegue convencer

os seus parceiros europeus a adoptarem as receitas que estiveram na base do sucesso económico relativo do Reino Unido nestes últimos anos. Convidá-los-ia, então, a investirem massivamente dinheiros públicos na educação, na saúde e nos transportes, a taxarem prioritariamente os rendimentos dos mais ricos para financiar estas despesas suplementares, a criarem um salário mínimo nacional (SMN) e a aumentá-lo rapidamente para convergir com o dos países em que este já existe, como aconteceu com o SMN britânico hoje tão elevado quanto o francês. É certo que não seria necessário que todos recrutassem mais 600 mil funcionários públicos, como o fez Tony Blair nos últimos cinco anos, pois nem todos estiveram sujeitos à governação de Margaret Thatcher, mas seria útil que todos abandonasse a obsessão pela redução do défice e da despesa pública…
[Guillaume Duval, “Union européenne: le sommet de Tony”, Alternatives Économiques, 240, Outubro de 2005, p. 17]

Sonhemos pois. Mas, sobretudo, recordemos, em tempos de debate sobre o orçamento, a necessidade de não confundir a instrumentalidade da redução do défice com a capitulação política perante os adversários da Europa social.