quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Saber citar

Notícias surpreendentes, proclama João Carlos Espada (Expresso, 5/11/05), a propósito da publicação dum livro branco sobre a reforma do sistema educativo inglês pelo governo de Tony Blair. Cauteloso, fui espreitar aquele livro branco. Conclusão não muito surpreendente: Espada não sabe citar.

1. É verdade que a nova reforma anunciada promove a possibilidade de escolha das escolas pelos pais, bem como a possibilidade de as escolas escolherem o seu modelo de desenvolvimento e especialização, como é salientado por Espada. Mas é também verdade que (1) a escolha e a concorrência são meios, não fins, e (2) que essa reforma é a segunda realizada pelo governo de Blair. A primeira destinou-se a recuperar a qualidade do ensino público, melhorando a maioria das escolas ANTES de as colocar em concorrência entre si. Cito:
“Our aim is to transform our school system so that every child receives an excellent education — whatever their background and wherever they live. Because of the progress we have made since 1997 we can now take the next, vital steps” (p. 7, destacados a negrito por mim).
E o que fez ANTES o governo inglês? Segundo Blair, no prefácio ao livro branco, reformou as escolas públicas, investiu na rede escolar e no corpo docente, desenvolveu um sistema de avaliação das escolas: “We are at an historic turning point: we now have an education system that is largely good, after eight years of investiment and reform, which has overcome many of the chronic inherited problems of the past” (p. 1, destacados a negrito por mim). Resultado: “Ofsted reports the proportion of good or excellent teaching in primary schools rising from 45% in 1997 to 74% in 2004/05, and from 59% to 78% in secondary schools” (p. 2).

2. Ou seja, Blair quer mais escolha e concorrência entre as escolas públicas DEPOIS de as ter posto em condições de ganharem com essa concorrência, DEPOIS de ter investido na melhoria substancial da qualidade do seu ensino. Espada quer os princípios da escolha e da concorrência já, aproveitando o estado menos bom da nossa escola pública de hoje, pois para ela a possibilidade de escolha da escola tem prioridade sobre a melhoria da maioria das escolas. Ao contrário de Blair, não lhe importa a desigualdade desde que possa escolher, pois sabe que ficará sempre com a melhor parte.