Parecer não basta
Segundo João Carlos Espada (Expresso, “Actual”, 3/12/05),
Parece que, na semana passada, terá chegado às escolas estatais uma ordem do Ministério da Educação para remover os crucifixos das salas de aula.
A um autor que tanto elogia Karl Popper, parece que parecer não devia bastar.
Ainda por cima, quando qualquer cidadão medianamente informado sabe que a ministra da Educação já afirmou publicamente, mais do que uma vez, que não existe qualquer instrução governamental para para serem excluídos das escolas públicas a totalidade dos crucifixos. De acordo com essas declarações públicas, tudo quanto existe é a possibilidade de, perante a avaliação casuística de queixas de utilizadores daqueles espaços públicos, se concluir que, na situação concreta, a presença desses símbolos — ou de outros símbolos religiosos — é motivo de perturbação que aconselha sua remoção.
Num Estado de direito, com a Constituição e as leis que temos, as declarações públicas da ministra da Educação caracterizam-se, para dizer o mínimo, pela moderação e pela sensatez duma decisão a favor do cumprimento do art.º 13.º da Constituição, que estabelece que [ninguém] pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social. Dizer, como Espada — em ligação com o que diz que lhe parece que a ministra da Educação fez, e que é o contrário do que esta afirmou publicamente — para concluir que […] a exclusão das referências religiosas da praça pública [não] é condição da liberdade ou da tolerância é uma de três coisas: ou uma afirmação irresponsável baseada na tese, muito pouco popperiana, da insustentável irrelevância dos factos; ou parte de uma campanha fundamentalista, que desrespeita o princípio constitucional da igualdade, a favor da reclamação de um estatuto de privilégio, mesmo nos mais ínfimos detalhes, duma das religiões cristãs ou... acumula.
A menos que andem para aí a tirar as igrejas das praças públicas, ou a encerrar escolas católicas, ou a ministra da Educação seja mentirosa e ainda não se tenha reparado.