terça-feira, 10 de janeiro de 2006

Assim não

1. Há cidadãos portugueses que, legitimamente, discordam de alguns investimentos estratégicos que foram decididos para o país. Sempre houve, sempre haverá, nada de novo. Aliás, tradicionalmente, depois de construidos os polémicos equipamentos, alguns acabarão sendo os seus maiores defensores contra outros investimentos futuros. É assim o pensamento conservador.

2. Entre esses cidadãos alguns discordam em simultâneo da modernização de duas infraestruturas de transportes: o aeroporto de Lisboa e a rede ferroviária. Estão no seu direito, mesmo quando o fazem apenas baseados na pequenez nacional. A mim, parece-me que quem pensa que o futuro pode ser feito sem ferrovia de alta velocidade e com um aeroporto enfiado no tecido urbano da capital, está para o futuro dos transportes ao nível dos que, no séc. XIX, se opunham aos caminhos-de-ferro. Mas, nesse confronto, há apenas que insistir em argumentar.

3. Nomeadamente na questão do aeroporto, aqui na blogosfera, alguns tentaram argumentar que os estudos prévios, feitos ao longo de anos, estavam a ser escondidos por serem incómodos para o projecto. Divulgados os estudos, passaram a desvalorizar o que tão insistentemente reclamaram, mostrando, afinal,desprezo pelos instrumentos de apoio à decisão. Do seu ponto de vista, tais instrumentos são bons apenas quando corroboram as suas opiniões.

4. Agora, segundo vi no Blasfémias, há cidadãos que querem convocar um referendo sobre os dois investimentos de que discordam. Continua ser um direito. O que não está certo é que tentem embrulhar o que os motiva — a legítima discordância decisões igualmente legítimas — num ataque a regras básicas da democracia representativa.

5. Dizem os subscritores da carta dirigida aos deputados que o Blasfémias publica, que aquilo que querem referendar são “Decisões alegadamente suportadas pelo «manto diáfano» de uma maioria absoluta, não eleita para o efeito”. Não é verdade. O PS apresentou-se às eleições legislativas com um Programa Eleitoral (consultável aqui, ver Bases Programáticas) em que se pode ler:

No que se refere ao sistema ferroviário (…) o PS preconiza como principais medidas:
Definição final do traçado, das características físicas e de gestão, bem como do calendário da futura rede ferroviária de alta velocidade (TGV);
Início da construção do troço Lisboa-Porto em alta velocidade;
(…)
No sistema aeroportuário (…) De entre as medidas preconizadas pelo PS destacam-se: Retomar o processo relativo ao novo Aeroporto da Ota, redefinindo o respectivo calendário à luz dos dados actuais sobre o desenvolvimento expectável do tráfego e tendo em conta a disponibilidade de financiamento comunitário para a programação do projecto.


6. Se há coisa para que foi dada maioria absoluta ao PS foi para cumprir o que se escreveu no seu Programa Eleitoral. Gostem ou não os que perderam. Convenha ou não aos que ganharam.