Devassa telefónica
A devassa dos dados de tráfego telefónico da “conta Estado”, divulgada pelo 24 Horas, é demasiado grave, qualquer que seja a perspectiva com que se olhe para o problema. Independentemente do que se vier a apurar, há pelo menos quatro comentários que se podem desde já fazer, pois referem-se a factos que têm significado por si só.
1. Em primeiro lugar, o comunicado da PT. A ser verdade o que lá se diz, isso significa que a PT trata com demasiada ligeireza as obrigações de confidencialidade a que está obrigada pela natureza do seu negócio, incorrendo, objectivamente, em violação grave das obrigações contratuais que tem com os clientes e em ilícito grave no plano dos direitos dos cidadãos. A referência ao filtro informático na folha de cálculo é anedótica e prenuncia um eventual e inaceitável alijar de responsabilidades que, a acontecer, quebraria, de vez, as condições mínimas de confiança dos clientes que são indispensáveis ao funcionamento de uma empresa de comunicações.
2. Em segundo lugar, o comunicado do PGR. Responder a um pedido oficial de responsabilidades pelo Presidente da República com um desmentido dos factos em comunicado de imprensa e, ao mesmo tempo, solicitar um adiamento da audição parlamentar marcada para a próxima terça-feira, porque se necessita de mais tempo para concluir o inquérito, é atitude que combina tudo o que de mais negativo seria possível imaginar: desrespeito pelo Presidente com a nota pública e descredibilização do inquérito presumivelmente em curso, uma vez que se publicitam conclusões do mesmo antes de o concluir.
3. Em terceiro lugar, a intervenção corporativa de agentes judiciais, tentando minimizar o que se terá passado. No momento da greve dos juízes, foi à exaustão explicado que era legítima a organização e acção sindical dos juízes porque centrada nas carreiras profissionais destes, as quais só sindicalmente poderiam ser defendidas. Distinguiu-se, então, o conteúdo da acção judicial inerente ao órgão de soberania (tribunais) da componente profissional das carreiras dos seus titulares. Que esta distinção tem mais buracos do que uma peneira é algo que é claramente evidenciado com o sistemático pronunciamento dos líderes sindicais judiciais sobre a substância da questão judicial, sempre que esta vem para a praça pública.
4. Por fim, a reacção do PSD em defesa da manutenção em funções do PGR. Realizada antes de qualquer esclarecimento formal sobre o que se passou, apenas tem um objectivo: garantir que será Cavaco, caso ganhe as eleições, a nomear o próximo PGR, mesmo que para isso tenha que se escamotear a gravidade do que está em jogo. Mesmo, ainda, que tenha que se fazer de nós parvos como quando se argumenta que não é legítimo ponderar a possibilidade da demissão do PGR apenas pelo que aconteceu agora. Como se esta fosse razão isolada e não mais uma de muitas outras razões para questionar o desempenho de Souto Moura.