quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

Globalização e divisão do trabalho

1. A globalização não é um problema, mas um progresso (e não é preciso partilhar uma ideia da história como progresso para reconhecer o progresso onde ele ocorre). Mas o desenvolvimento global, como o nacional, tem componentes que são problemas, como o da persistência da desigualdade.
A divisão internacional do trabalho constitui uma das manifestações dessa persistência (embora pior do que uma posição subalterna nessa divisão é a marginalização no mundo global, como a que ocorre, actualmente, em grande parte de África). E é um problema porque a assimetria entre produção para exportação e consumo interno indicia normalmente fragilidades do mercado interno em consequência de os ganhos de competitividade se basearem em baixos custos salariais (muitas vezes conseguidos por negação de direitos laborais básicos). E esta concorrência desigual sem limites tem consequências negativas tanto para trabalhadores dos países em desenvolvimento (que participam pouco dos ganhos do desenvolvimento) como para trabalhadores dos países desenvolvidos (que perdem empregos a um ritmo muito superior ao da reconversão industrial).
Por isso, um dos grandes problemas da globalização é o do défice de regulação que permite colocar em concorrência sistemas de trabalho muito desiguais. Teríamos por isso muito a ganhar com uma crescente articulação entre a acção de organismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

2.De que falo quando falo de divisão internacional de trabalho e de assimetrias entre produção para exportação e consumo interno? O gráfico (ver abaixo) sobre a distribuição continental das compras e vendas do grupo Ikea, que todos conhecem da loja de Alfragide, ilustra perfeitamente o que quero dizer (a ideia de usar estes números veio de um artigo do Público de ontem, 18/01/2006).


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Vendas e compras do grupo Ikea, por continente, 2004/05
Fonte: Ikea


Em 2004/05, o grupo Ikea realizou 30% das suas compras a fornecedores asiáticos (18% a chineses). No entanto, as suas vendas na Ásia representavam apenas 3% das vendas totais do grupo.
Em contrapartida, apenas 3% das compras do grupo foram feitas a fornecedores norte-americanos, embora as compras dos consumidores norte-americanos representassem 16% do valor das vendas da Ikea em todo o mundo. Assimetria semelhante, embora menos pronunciada caracteriza a posição da Europa enquanto “fábrica” e enquanto “loja”.
Mas, insisto, pior é o facto de a África não fazer sequer parte deste mapa, nem como “fábrica”, nem como “loja”…