Naturalizações
Em comentário ao meu texto sobre a reciprocidade, Pedro Sá sustenta um novo argumento contrário à extensão do direito de voto aos imigrantes: “Há uma outra razão pela qual a concessão do direito de voto aos imigrantes não parece fazer sentido. Após residirem um determinado tempo em Portugal, caso queiram podem adquirir a nacionalidade portuguesa, sem terem que abandonar a sua nacionalidade originária. É, pois, uma questão de opção. Se querem participar politicamente, logo devem adquirir a cidadania nacional.”
O argumento só é válido parcialmente e em abstracto.
No que se refere às autárquicas não me parece que seja necessária a sobreposição entre nacionalidade e direitos eleitorais, pois o que está em causa são escolhas sobre o governo local, sendo os imigrantes parte activa da colectividade local. Agora, em termos práticos, quase ninguém vive “nacionalmente”. Isto é, a vida nacional é, para a maioria, o resultado de um compromisso simbólico com a colectividade política. Nesse caso, só faz sentido participar nas escolhas nacionais caso se seja membro da colectividade constituída por aquele compromisso.
Por isso faz sentido a existência de critérios diferentes para se participar em eleições locais e nacionais. E por isso, ao contrário do Alto-Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, entendo que o voto nas escolhas nacionais deve estar reservado aos portugueses. Só que, ao mesmo tempo, entendo que esta solução implica uma mudança radical de orientação sobre os critérios de acesso à nacionalidade, com uma aproximação ao modelo norte-americano. Ou seja, entendo que devemos incentivar os imigrantes fixados em Portugal a serem portugueses em vez de transformarmos a nacionalidade numa barricada que não deixa entrar ninguém na colectividade nacional.
Que se trata de uma questão de orientação e não apenas jurídica, pode ser facilmente demonstrado com os números sobre o andamento dos processos de naturalização de imigrantes nos últimos anos. Em 2003, só foram diferidos favoravelmente 24% dos pedidos de naturalização; em 2004, essa percentagem baixou para 13%. Em consequência, nestes dois anos, apenas 3.456 imigrantes conseguiram naturalizar-se, num universo acumulado de 19.631 que o pretendiam fazer (ver gráfico).
[clique para ver ampliado em nova janela]
Processamento dos pedidos de naturalização em 2003 e 2004
Fonte: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
E esta é a outra parte contestável do argumento (em abstracto parcialmente correcto) do Pedro Sá. A persistência do estatuto de estrangeiro entre os imigrantes é menos o resultado de uma escolha destes do que das barreiras colocadas pelo Estado no acesso à nacionalidade. Barreiras legais, por um lado, mas também barreiras processuais que reforçam as primeiras no capítulo da aplicação administrativa da lei.
Esperemos, aliás, que as melhorias anunciadas na nova lei, nomeadamente com a redução dos tempos necessários para requerer a naturalização, que no caso dos não lusófonos passa de dez anos para cinco anos, não sejam depois anulados com a diligente invenção de todas as barreiras práticas à efectivação dos novos direitos — prolongando por anos e anos essa efectivação.