O nacionalismo contra o interesse nacional
“Eu não sou especialista em vinhos (…). Não costumo beber vinhos. Para mim, os vinhos bons são os vinhos portugueses.”
[Cavaco Silva, Público, Fugas, 14/01/2006, p. 14]
1. Sendo conveniente usar com moderação a ideia de “interesse nacional”, haverá situações, de consenso alargado, em que é legítimo esse uso. Por exemplo, ninguém perderá se aumentar a qualidade e o valor acrescentado dos produtos feitos em Portugal. Pelo contrário, a maioria ganhará pois esses aumentos de qualidade são indispensáveis para a saída da crise actual que é, no essencial, uma crise económica que resulta da perca de atractividade do país para a localização de actividades intensivas em trabalho, ao mesmo tempo que não se desenvolveram ainda, generalizadamente, actividades mais qualificadas e portanto geradoras de maior competitividade internacional. Promover a exigência de mais e mais qualidade na economia portuguesa é pois um objectivo de todos os que ocupam funções de liderança na vida nacional.
2. Investir na qualidade pressupõe uma orientação para o futuro e uma sistemática avaliação do percurso percorrido por comparação com os melhores em cada domínio. O nacionalismo pacóvio vive, por seu lado, do passado e do auto-fechamento em relação ao mundo. “Fomos os melhores” naquilo em que nos podemos comparar, “somos os melhores” independentemente de qualquer comparação. E quem prefere o que se faz “lá fora” é pouco patriota! Claro que assim só se anda para trás, mesmo que com orgulho.
3. Os vinhos portugueses não são os melhores do mundo, mesmo havendo, hoje, bons vinhos feitos em Portugal. Exactamente porque houve produtores que perceberam que os bons vinhos não eram os vinhos portugueses e agiram, de modo inovador, para melhorar o que cá se fazia usando padrões internacionais (e, em alguns casos, técnicos estrangeiros). Por isso, e sobre vinhos, prefiro a afirmação de João Paulo Martins (DN, Notícias Sábado, 14/01/2006, p. 26):
“Quando vejo um rótulo nacional com a inscrição a dizer «o melhor vinho do mundo», só me apetece gritar: «Vão provar os melhores vinhos do mundo e aprendam!»”
4. E é assim que se descobrem as carecas. Para tentar agradar aos eleitores usa-se um pouco de demagogia e vira-se o nacionalismo contra o interesse nacional.