Reciprocidade
Em Portugal, os estrangeiros residentes têm direito de voto nas autárquicas desde que se verifique reciprocidade, isto é, desde que nos seus países de origem os portugueses aí emigrados tenham o mesmo direito. Esta cláusula constitucional da reciprocidade é aplicada com rigor, distinguindo-se entre direitos eleitorais passivos (eleger) e activos (ser eleito): há pois imigrantes estrangeiros em Portugal que podem votar e ser eleitos nas autárquicas, outros que só podem votar mas que não podem ser eleitos e, finalmente, os que não podem nem votar nem ser eleitos.
No texto de 26/01/2006, intitulado “Trade-off”, defendia a supressão da cláusula constitucional da reciprocidade, pelo que o direito de voto dos estrangeiros em Portugal dependeria apenas de um tempo mínimo de residência continuada no país. Apoiando reivindicação similar do Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, classificava aquela cláusula como injusta. Em comentário, Pedro Sá questionava-me: “Por que razão considera a cláusula da reciprocidade injusta? Não considera que, pelo contrário, ela serve como defesa da dignidade dos portugueses no estrangeiro?”
A cláusula é injusta porque penaliza o imigrante por actos de que não é responsável. Ou seja, constitui um tipo de punição, hoje felizmente em vias de extinção, em que todo um colectivo sofre as consequências do acto de alguém ou de alguma parte desse mesmo colectivo.
A cláusula é ainda injusta porque penaliza os que migram para fugirem de sociedades não democráticas. Por exemplo, os imigrantes angolanos que eventualmente tenham deixado Angola por discordarem do regime aí existente (e não são tão poucos como isso), quando chegam a Portugal são confrontados com a redução dos seus direitos políticos por no país que deixaram não existir um regime político democrático. Não é, convenhamos, um prémio decente para quem migrou em busca da democracia que lhe negavam na origem.
Mas a cláusula é também estúpida, porque não nos resolve problema algum. Não resolve o problema dos direitos políticos dos emigrantes portugueses sempre que estes residam em sociedades não democráticas. É inútil como arma de pressão para conseguir igualdade entre imigrados e emigrados sempre que não há coincidência entre países de imigração e países de emigração, situação mais frequente do que a inversa. E, no fim, ficamos com o problema da integração dos imigrantes nas mãos. Ou seja, mesmo quando coincidem os países de emigração e de imigração e todos dispõem de regimes democráticos, o que é raro, a eventual recusa de um outro país em reconhecer direitos políticos aos portugueses aí residentes é um problema que se soma ao problema nacional da limitação das condições de integração dos estrangeiros que cá residem e a quem foi negado o direito de participação nas eleições locais por efeito da cláusula da reciprocidade.
Em síntese, a cláusula é estúpida porque prejudica os imigrantes sem que Portugal ganhe algo com ela, podendo mesmo ser prejudicado por assim ver reduzidos os instrumentos políticos de que dispõe para incentivar a integração de quem escolheu vir viver para o nosso país.
Mas não tem o Estado português o dever de defender os direitos dos portugueses que residem no estrangeiro? Tem, mas a prática do “olho por olho, dente por dente” não é a única solução para o problema; nem, muito menos, a mais defensável.