Regresso ao futuro
Se há algo de fundamental num programa de esquerda para os dias de hoje é o regresso a uma ideia de futuro, regresso esse com um duplo sentido. Em primeiro lugar, regressar ao futuro significa reafirmar a possibilidade de escolha desse futuro, em grande parte aberto, descongelando a história que muitos querem dar por concluída. Em segundo lugar, regressar ao futuro significa promover a orientação para o futuro enquanto critério fundamental de avaliação das escolhas sociais, ampliando o espaço de liberdade hoje crescentemente cerceado por um inesperado e teimoso regresso do valor da tradição.
Regressar ao futuro significa, pois, reinventar a escolha de um mundo melhor. Implica, pelo menos, três outros regressos: à política, ao desenvolvimento e ao universalismo.
1. Regressar à política passa por recentrar o discurso e a acção políticas nas escolhas sobre a reorganização do mundo social, que inclui a reorganização do mundo político mas não se esgota nela. A centralidade dessas escolhas tem sido prejudicada quer por um excesso de pragmatismo, quer, mais recentemente, pelas derivas moralista e judiciária que infectaram a nossa vida política. Nos dois casos o resultado foi uma redução da liberdade individual ameaçada quer pelo predomino do critério da eficácia sobre todos os outros, quer pelo condicionamento da acção induzido pela ameaça do linchamento mediático.
Regressar à política passa ainda pelo restabelecimento da confiança política na política e nos agentes e instituições políticas, recusando a tentação de agir com base no “paradigma Mourinho”, isto é, trocando o sucesso no curto prazo pela credibilidade a longo prazo.
2. Regressar ao desenvolvimento passa por redescobrir as melhores vias para compatibilizar crescimento económico com redução das desigualdades num mundo mais globalizado. Essa compatibilização tem sido prejudicada pela deificação do mercado e pela desvalorização da ideia de serviço público. Às falácias sobre a antinomia mercado-estado é necessário opor a valorização da indispensabilidade da regulação económica, até como condição para o desenvolvimento dos mercados. À desvalorização do serviço público, é necessário opor uma revitalização, com critérios de eficiência e eficácia, da escola pública, do serviço nacional de saúde e da segurança social pública.
Regressar ao desenvolvimento passa ainda por combinar a regulação internacional negociada das trocas comerciais com a das condições sociais de trabalho subjacentes à produção que desemboca nessas trocas.
3. Regressar ao universalismo passa por reinventar as pertenças colectivas com base em critérios que garantam a autonomia individual e promovam uma inclusão nacional cosmopolita. Estes dois objectivos têm sido prejudicados pelo renascimento dos nacionalismos e pelo seu aprofundamento nas políticas multiculturalistas. As derivas identitárias e os fechamentos comunitaristas que lhes estão associados representam um perigo para a paz e a coesão social que só podem ser vencidos com mais integração e regulação dos fluxos transnacionais de bens e pessoas.
Se tivesse que escolher uma expressão simples para descrever a nova nação que precisamos de construir, roubaria, descontextualizando-o, o título de um livro do José Eduardo Agualusa: “Nação Crioula”.