Cuidado com as confusões!
Eu posso ser — e sou! — dos que se opuseram e opõem à guerra do Iraque.
Eu posso ser dos que se opõem — e oponho! — a todos cárceres privados, Gulags e Guantanamos do mundo.
Eu posso ser dos que, vogando entre o agnosticismo e o ateísmo, pensam — e penso! — que a liberdade religiosa é parte imprescindível da liberdade.
Eu posso admitir — e admito! — que o jornal dinamarquês que publicou os cartoons tenha sido provocador e militantemente anti-islâmico.
Eu posso reconhecer — e reconheço! — que a última coisa de que precisávamos era de aumentar as tensões sociais e políticas entre a Europa e os países árabes.
Mas nada disso me obriga a ficar calado quando a liberdade de expressão é sacrificada nos altares do relativismo cultural ou quando os arautos das religiões — maioritárias ou minoritárias! — pretendem impor aos que os não professam condutas conformes aos valores dessas mesmas religiões.
Eu posso discordar inteiramente — e discordo! — que haja quem, pelo simples facto de pensar como penso, me transforme em cúmplice dos Wolfowitz, dos Kagan e dos Bush deste mundo.
E até posso achar — e acho! — que tenho o direito de considerar que opiniões deste tipo são tão ofensivas para mim quanto os cartoons dum jornal dinamarquês podem ser para alguns seguidores de Maomé, mesmo que eles nunca tenham tido sequer a oportunidade de os ver.
Mas nada disto me dá o direito de perseguir a autora do texto, de fazer pressão para que a jornalista seja condicionada ao respeito pela minha opinião ou despedida do jornal, de organizar a queima pública do jornal, de assaltar as delegações do jornal que publicou tal prosa ou de ameaçar os compatriotas da jornalista que vivem fora de Portugal.
Essa é uma das diferenças fundamentais que me separam quer dum integrismo que inclui nos seus valores a excisão feminina ou a delapidação das mulheres adúlteras, quer dos relativismos políticos que acham a publicação dos cartoons em causa comparável a manifestações incendiárias contra cidadãos e interesses cuja responsabilidade pela publicação dos desenhos se resume à partilha da cidadania.
Ponto final.