Desacordos vários
Os últimos dias foram férteis em acontecimentos reveladores de escolhas, consolidadas umas, propostas de novo outras, com as quais estou em profundo desacordo.
1. Discordo que seja possível sancionar legalmente alguém por negar o Holocausto. A desonestidade intelectual e o anti-semitismo são pulhice socialmente condenável mas nem toda a pulhice é crime.
2. Discordo, em geral, que seja considerado crime divulgar ideias ou doutrinas que considero não só erradas mas abjectas, como o racismo e a xenofobia, o fascismo e o nazismo ou a homofobia. Uma vez mais, estamos perante pulhices socialmente condenáveis mas, também uma vez mais, nem toda a pulhice é crime.
3. Discordo, portanto, que façam qualquer sentido os reforços de pena quando têm por detrás aquelas ideias ou doutrinas. Mais, não me parece boa ideia especificar, por exemplo, razões menos aceitáveis para matar (para além da legítima defesa com proporcionalidade), quanto mais não seja porque isso implica logicamente a ideia de que haverá também razões menos inaceitáveis para o fazer. Devíamos aliás recordar que, no passado, foi assim que se desculpabilizaram com frequência, mesmo em tribunal, homicídios conjugais quando realizados por “marido traído”.
4. Quer isto dizer que entendo não haver qualquer limite legítimo à liberdade de expressão? Nem pensar! Não aceito, por exemplo, a legalidade e impunidade de apelos à violência e, muito menos, à morte, pulhices que, essas sim, devem ser consideradas crime e punidas por lei. Mas punidas independentemente das razões usadas para as justificar.
Eliminar a barreira entre pulhice e crime é perigoso. Faz erodir os fundamentos universalistas do direito moderno e relaxa o esforço de construir e manter uma “ordem moral” sem a qual tenderá a crescer a frequência do crime que se pretendia combater com mais rigor.