O CSI e os seus críticos I
1. Já depois da inusitada reaparição acerca do OE2005, Bagão Félix esteve na RTPN a comentar o Complemento Solidário para Idosos (CSI), numa clara de tentativa de desvalorizar o alcance e a inovação que vem trazer. Embora tal apreciação seja errada do ponto substantivo, semelhante tentativa é naturalmente legítima. Mas com uma ressalva: não vale recorrer a imprecisões flagrantes para atingir esse fim.
Disse Bagão, por exemplo, que o CSI que a Lei de Bases da Segurança Social de 2002 (do próprio Bagão) já o preveria. É falso. Descubram-se as diferenças:
O que está na Lei de Bases (art.39º) é a previsão de um complemento para os beneficiários de pensões mínimas que sejam casados e tenham mais de 75 anos, de modo a que o casal pudesse atingir um rendimento ao nível do salário mínimo (depois de lhe ser deduzida a taxa contributiva para a segurança social). Está na lei mas, importa lembrar: nunca foi posto em prática, nunca foi objecto de regulamentação, nem esta foi calendarizada por Bagão ou pelos seus sucessores.
Pelo contrário, o CSI não estava em lei nenhuma mas existe, de facto.
É um complemento para todos os maiores de 65 anos, tomando como referência valores mensais consideravelmente mais elevados: 4200 € por ano para indivíduos isolados (não abrangidos na formulação da Lei de Bases) e 7350 € para casais. É fazer as contas.
A questão, aliás, não é apenas de volume de protecção. É que os valores previstos no CSI foram concebidos tendo em conta o limiar de pobreza em Portugal e não um critério (?) ideológico com base no lema “um salário mínimo por casal”. Ou seja: além de tudo o mais que podemos objectar, a disposição de “letra morta” da Lei de Bases, mesmo que aplicada, não teria os mesmos efeitos sociais no plano do combate à pobreza nos idosos que o CSI terá.
Diz ainda Bagão que o CSI não traria nada de novo também porque os idosos que dele vão beneficiar seriam de qualquer modo abrangidos pela convergência das pensões com o salário mínimo “prevista legalmente para 2006”.
Tudo muito bem, exceptuando “pequenos” detalhes: o ritmo de convergência dos últimos anos (i.e., o praticado pelo próprio Bagão) invabiliza por completo o cumprimento da lei, dado que provavelmente o processo de convergência não estaria completo na próxima década; além disso, essa convergência constituiria uma sobrecarga acrescida para o já complexo Orçamento da Segurança Social.
O CSI vai dar, pois, um passo que demoraria no mínimo dez anos a dar e que, por imperativos de equilíbrio financeiro, provavelmente nunca seria dado.
E isto leva-nos ao terceiro ponto do argumentário apresentado na RTPN, e não está nele em causa nenhuma imprecisão, somente preconceito ideológico. Disse Bagão, em tom de crítica, que esta prestação vai “ser paga com o dinheiro dos impostos de todos os portugueses”.
Pois vai. E é com verbas do Orçamento de Estado, nomeadamente com base nos impostos, que deve ser paga, porque não está em causa uma prestação contributiva mas sim um “complemento” que o Estado entende atribuir a quem não contribuiu (e por isso não teria “direito”), a expensas não do dinheiro das contribuições para a segurança social mas sim dos impostos de todos nós.
Aliás, é também neste plano que o CSI é uma mudança positiva: não sobrecarrega o já débil equilíbrio do orçamento da segurança social e reforça a assumpção pelo Estado (por todos nós) de um dever de solidariedade face a quem sente hoje na pele a baixa cobertura, de muitas décadas, da segurança social em Portugal.