Sacudir a água do capote
Terça-feira, em texto sobre a “exclusão bancária”, o Miguel Cabrita destacava, e bem, as notícias da imprensa sobre uma carta-circular do Banco de Portugal relativa a queixas sobre os bancos por estes se recusarem a abrir contas a desempregados. Não ilibando os bancos comerciais das responsabilidades assinaladas pelo Miguel, conviria perceber melhor o papel do Banco de Portugal nesta história.
1. Na Carta-Circular n.º 5/2006/DPG, de 15-02-2006, o Banco de Portugal considera que “o simples não desempenho de profissão, designadamente no que respeita a donas de casa e a desempregados que não aufiram o subsídio respectivo, não deve constituir motivo de recusa de abertura de contas de depósito, bastando que os próprios declarem aquelas situações”.
Tudo bem, não fora a curiosidade em verificar o Aviso do Banco referido nas notícias. E aí chegado, surpresa. Pois não é que em Julho de 2005 o Banco de Portugal, nos artigos 8.º, 9.º e 10.º do Aviso n.º 11/2005 , exigia a comprovação documental da “profissão e entidade patronal” do cliente com base na “apresentação de cartão profissional, de recibo de vencimento ou de qualquer outro documento comprovativo”, distinguindo esta exigência de comprovação documental da que era feita a propósito do exercício pelo cliente de “cargos públicos”: neste caso, e apenas neste, afirmava o Banco de Portugal que “não carece de comprovação documental, bastando informação do próprio quanto ao cargo público de que é titular.”
Estipulava ainda o Banco de Portugal que embora a conta pudesse ser aberta antes da comprovação documental da “profissão e entidade patronal” do cliente, “enquanto não se encontrarem na posse da documentação comprovativa […] as instituições de crédito não podem permitir a realização de quaisquer movimentos a débito ou a crédito na conta subsequentes ao depósito inicial, disponibilizar quaisquer instrumentos de pagamento sobre a conta ou efectuar quaisquer alterações na sua titularidade.”
2. Ou seja, o Banco de Portugal mudou as suas regras, não se limitou a interpretar indicações ambíguas anteriores.
Ainda bem. Porque assim eliminou factores de “exclusão bancária” para cuja constituição ele próprio tinha contribuído, mas também porque estamos agora em condições de saber se os bancos comerciais, quando recusavam clientes desempregados, o faziam por escrúpulo normativo ou se, simplesmente, se desculpavam com o Banco de Portugal para fazer o que realmente queriam fazer.