sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Os números e as “rábulas”

Nos últimos dias, o OE 2005 apresentado pelo então ministro das finanças Bagão Félix (do Governo de Santana Lopes) como que ressuscitou, em especial no que toca aos números da Segurança Social. Bagão Félix deu o tiro de partida na semana passada; Miguel Frasquilho voltou à carga já esta semana num artigo de opinião no Público.
O objectivo parece ser este: pegar nos dados finais da execução orçamental do “rectificativo” de meados do ano passado e mostrar que, afinal, as previsões iniciais (ainda da responsabilidade do Governo anterior) “bateriam certo”. Esta estratégia tenta ainda demonizar a chamada “comissão Constâncio”, acusando-a de parcialidade.

Primeiro ponto: não foi a comissão Constâncio que enterrou a credibilidade do orçamento de Bagão. Este argumento pode ser útil agora, mas é no mínimo inexacto. Muito antes de haver tal comissão, o orçamento fora duramente criticado pela generalidade dos analistas económicos como sendo pouco rigoroso e realista (nomeadamente por excessivo optimismo e por apresentar aspectos pouco claros). A memória é curta nestas zonas cinzentas da tecnicidade opaca dos números e dos jogos de previsão; um cinzento ainda extremado pelo ruidoso debate mediático que as rodeia. Mas não é assim tão curta.

Segundo ponto: a comissão Constâncio, argumenta Frasquilho, extrapolou indevidamente a partir dos dados da execução provisória dos três primeiros meses do ano – ainda da responsabilidade do Governo PSD/CDS. Isto é, não teria tomado em conta as “medidas de correcção” que seriam tomadas para inverter os desvios face ao programado.
O argumento até pareceria sensato. Mas esquece um detalhe importante: já em anos anteriores houvera necessidade de fazer “correcções” e o balanço dos Governos do PSD a este respeito não é animador. As tais “medidas de correcção” foram na maioria dos casos recursos de final de ano: perdões fiscais, vendas de património, transferências de fundos de pensões. Ou seja, não há indicadores de que a execução orçamental seria, desta vez, invertida de forma sustentada ao longo do ano.

Terceiro ponto: A Segurança Social foi um dos exemplos mais citados quer por Bagão quer por Fraquilho. Mas por manifesta infelicidade, porque nesse campo os resultados de 2005 só na aparência têm alguma semelhança com as previsões iniciais de Bagão. Pelo contrário: o cenário conseguido no final do ano é o produto de fortes correcções dessas previsões com base em medidas tomadas a partir de Abril. Recorrendo, de resto, medidas que o Governo anterior nunca pusera em prática em três anos que teve para o fazer.
Por exemplo: o investimento sistemático no combate à fraude; a cativação de 2% do IVA para a segurança social; o cumprimento integral das transferências do OE para a Segurança Social, cumprindo a Lei de Bases – nunca respeitada pelo Governo anterior.
No seu conjunto, só estas medidas traduziram-se num ganho de quase 500 milhões de euros em relação ao previsto.
A primeira destas medidas (a intensificação do combate à fraude) é um exemplo inequívoco desta tendência "correctiva" e não "confirmadora" das previsões iniciais. Mesmo com o impulso que foi possível dar, por via do combate à fraude e à evasão, ao crescimento das contribuições a partir de Abril, o crescimento anual, mesmo assim, chegou “apenas” aos 5,0%. Bagão Félix tinha previsto...7,1%, e sem ter em conta estes ganhos oriundos do combate à fraude. Refira-se, aliás que em 2004, ele próprio tinha como Ministro da Segurança Social conseguido apenas 2,9% de crescimento das contribuições, nível que não mudara significativamente nos primeiros meses de 2005.

Deixando de lado a falta de consistência e de seriedade de vir agora tentar reabilitar o OE 2005 e reclamar louros na execução de um orçamento rectificativo feito em bases bem mais sólidas, o mais estranho neste pequeno episódio é a tentação de desenterrar momentos pouco abonatórios para a credibilidade de quem neles esteve envolvido directamente e para o Governo de então. Bagão terá as suas razões para tentar esse caminho; não se percebe é como o PSD pode estar interessado nestas “rábulas” (expressão de Frasquilho). Só por puro masoquismo...