domingo, 19 de fevereiro de 2006

Taxas ou impostos?

1. Se há domínio do discurso político em que impera hoje a falácia como argumento, é o da crítica ao universalismo dos serviços públicos. Essa crítica mobiliza, sobretudo, dois argumentos sobre a pretensa injustiça do universalismo.
O primeiro argumento é o da injustiça social: “não é justo que ricos e pobres paguem o mesmo por serviços públicos indispensáveis”. O segundo argumento é o da injustiça distributiva: “não é justo que todos paguem pelo que só alguns utilizam”. O primeiro argumento tem sido usado sobretudo para legitimar o recurso às propinas no ensino superior, o segundo para criticar a ausência de portagens em algumas auto-estradas. Nos últimos dias surgiram, os dois, associados à discussão sobre o financiamento do Serviço Nacional de Saúde.

2. Os dois argumentos estão errados. Em primeiro lugar, porque havendo um sistema fiscal caracterizado pela progressividade os ricos pagarão sempre mais que os pobres (ou os “remediados”) pelos mesmos serviços. Em segundo lugar, porque tendo os impostos uma função redistributiva, não faz sentido associar ao pagamento de um imposto a contrapartida de uma prestação social. Em suma, se o sistema fiscal funcionar, espera-se que opere uma redistribuição entre ricos e pobres, entre privilegiados e desprivilegiados, ou entre sortudos e azarentos.
Se o sistema fiscal funcionar, haverá sempre proporcionalidade entre financiamento da saúde e rendimentos, por um lado, e solidariedade entre saudáveis e doentes ou acidentados, por outro.

3. Mas… e se o sistema fiscal não funcionar? Nesse caso os argumentos tornam-se ainda mais falaciosos, pois quando não há possibilidade de controlar os rendimentos para efeitos fiscais muito menos o há para os controlar no âmbito da aplicação de um regime de taxas diferenciadas.
Sobra um argumento, o do efeito de dissuasão dos abusos que se conseguiria com a aplicação de taxas. Pois é, mas é para isso mesmo que existem taxas moderadoras e órgãos de fiscalização. O que não se justifica é erodir algo fundamentalmente necessário, como o é o Serviço Nacional de Saúde, apenas porque há abusos. O abuso de um direito deve ter como contrapartida maior fiscalização, não a eliminação do direito. Bem como alguma pedagogia, em especial pedagogia dos custos: seria porventura útil comunicar aos utilizadores do sistema os custos reais dos cuidados de saúde usufruídos para que estes percebessem o valor irrisório que lhes pedem quando lhes apresentam a conta das taxas moderadoras.