Fundamentalismo
“A atitude antimoderna que se desenvolve no seio da visão fundamentalista não representa uma mera reacção dos grupos tradicionais contra a intrusão de novos estilos de vida, mas sim uma ideologia militante, formulada, no essencial, numa linguagem altamente moderna.
[…]
A característica central da sua “reacção” à modernidade é a construção totalizante de uma visão utópica-sectária fechada e a sua legitimação nos termos de uma tradição ideologizada; e é essa construção que orienta a reconstrução da tradição e a selecção de temas tradicionais que se verificam nos movimentos fundamentalistas.
A mais importante dessas selecções é o próprio destaque dado a determinada visão ou símbolo primitivo, original, de uma tradição […] como principal ou mesmo único foco da tradição.
Não é, porém, apenas a selecção de um certo tema ou símbolo da tradição em detrimento dos demais que caracteriza os vários movimentos fundamentalistas. O crucial é, aqui, a tentativa de totalização dessa visão — a subordinação dos diferentes aspectos e camadas da tradição às presumíveis implicações desse princípio único e a sua concomitante hierarquização. […]
[…] Tradicionais na aparência, estes movimentos são, de uma forma paradoxal, fortemente antitradicionais no sentido em que negam a tradição viva, com a sua complexidade e heterogeneidade, perfilhando, pelo contrário, uma concepção altamente ideológica da tradição como princípio abrangente da organização cognitiva e social.
[…]
Como muitos outros movimentos ideológico-sectários e como muitos movimentos autoritários de esquerda e da direita, também os fundamentalistas apresentam um limiar muito baixo de tolerância à ambiguidade quer a nível individual, quer a nível colectivo.”
S.N. Eisenstadt,
Fundamentalismo e Modernidade,
Oeiras, Celta, 1997,
pp.52-53.