Ciência e progresso
Em relação às crónicas de Vasco Pulido Valente (VPV) sou completamente ambivalente: há aquelas que me apetece subscrever palavra por palavra, há as que me provocam uma repulsa total, tão intenso é o seu elitismo decadente. No Público de sexta-feira (31/03/2006) tivemos mais um exemplo destas últimas, a propósito do que apelidou de ilusões de Sócrates e Gago sobre o valor do investimento em ciência.
1. Afirmar que o investimento nacional em ciência será sempre diminuto por comparação com as necessidades absolutas de um sector como este, é afirmação que só faz sentido caso se continue a pensar que se faz ciência à escala nacional. É óbvio que, em termos absolutos, não há em Portugal escala para financiar os recursos de uma investigação científica e tecnológica autóctone competitiva no plano internacional. Mas há recursos para financiar com eficácia a formação de investigadores e de unidades de investigação com competências para participarem em redes transnacionais de investigação, desde que, ao mesmo tempo, se incentive a internacionalização da actividade desses investigadores e unidades. Por isso não faz sentido a eterna e provinciana discussão sobre as prioridades a atribuir ao financiamento dos diferentes sectores da investigação “nacional”. A investigação científica que se faz em Portugal só terá qualidade e eficácia se não for nacional mas transnacional. O que importará apoiar são pois as práticas e instituições de qualidade, pois são estas que garantam a possibilidade de participação na investigação europeia e mundial, não sectores “quinquenalmente” escolhidos que, em termos nacionais, nunca terão escala para serem viáveis.
2. Já agora, começa hoje a ser necessário recuperar algo da ideia de “progresso” que VPV tão desdenhosamente trata, até porque lhe dá jeito para reforçar, em termos retóricos, o seu cepticismo em relação à bondade do investimento em ciência. O que está em causa na ideia de progresso dominante no século XIX é, sobretudo, a sua associação com uma narrativa evolucionista em que se deduz o futuro de uma imaginada caminhada linearmente percorrida no passado. Mas não tem que estar em causa, a não ser para conservadores e cépticos aristocratas, a ideia de que é possível orientar a nossa acção por objectivos de futuro visando a construção de um mundo melhor.
Não temos que nos condenar a viver prisioneiros do presente.