quarta-feira, 15 de março de 2006

Desigualdades: globais e nacionais (corrigido e acrescentado)

No portal do Banco Mundial dedicado à temática da desigualdade é possível encontrar inúmeros dados e artigos de grande utilidade para a compreensão dos padrões da desigualdade socioeconómica à escala nacional e mundial.

1. O gráfico que se segue foi retirado do artigo de Milanovic & Yitzhaki citado no fim deste texto. Nele se comparam as posições de grupos continentais de países com base em dois critérios sobre a distribuição do rendimento: a desigualdade entre os países de cada grupo e a desigualdade média entre os indivíduos no interior dos países do grupo (medidas com base no índice de Gini, para dados de 1993).


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Desigualdade inter-nacional e intra-nacional, 1993 (índices de Gini)
Fonte: Milanovic & Yitzhaki (2002).

As conclusões dos autores não surpreendem: no extremo das desigualdades estavam a Ásia e a América Latina. No primeiro caso, a desigualdade entre países asiáticos era muito elevada mas, em contrapartida, era comparativamente baixa a desigualdade no interior dos países. Já na América Latina eram menores as desigualdades entre países mas elevadas as desigualdades dentro dos países.
As menores desigualdades entre países e, em média, no interior dos países verificavam-se no grupo que inclui a Europa Ocidental, a América do Norte e a Oceânia: com algumas excepções em termos de desigualdade interna, mais elevada do que a média nos EUA, Austrália, Reino Unido e… Portugal. Como referem os autores do estudo, isso significa que nos três primeiros países haveria mais pobres do que o expectável tendo em conta a sua riqueza média, enquanto que em Portugal o número de ricos era superior ao esperado tendo em conta a pobreza relativa geral do país.
Num plano intermédio estavam Europa do Leste e África, este último continente em geral mais desigual tanto no plano inter-nacional como intra-nacional.

2. Num segundo momento, os autores analisam as desigualdades entre grupos de países definidos em função do rendimento per capita, concluindo que, em termos globais, faltam classes médias no mundo. Citando:

… 76% da população mundial vive em países pobres, 8% vive em países de rendimento intermédio (definidos como aqueles países com um nível rendimento per capita entre o do Brasil e o da Itália) e 16% vive em países ricos. Analisando agora […] a “verdadeira” distribuição das pessoas, de acordo com o seu rendimento (independentemente do local em que elas vivam), o resultado é muito semelhante: 78% da população mundial é pobre, 11% pertence à classe média e 11% é rica. / Parece portanto que faltam classes médias no mundo, seja qual for o modo como para ele olhemos. Este parece-se com uma clepsidra tradicional: largo na base e muito estreito no meio. Por que não tem o mundo uma classe média? Em primeiro lugar, e esta é uma resposta óbvia, porque a desigualdade mundial é extremamente alta. Quando o coeficiente de Gini atinge o valor de 66, mais elevado do que o valor daquele coeficiente na África do Sul e no Brasil, é pura e simplesmente impossível, em termos numéricos, a existência de classes médias” (Milanovic & Yitzhaki, 2002: 175).

3. De 1993 para cá, algumas destas distribuições deverão ter mudado: em particular, seria interessante saber como evoluiu a distribuição intra-nacional na Ásia. De qualquer forma, o interesse do artigo reside na articulação que procura estabelecer entre desigualdade internacional e desigualdade nacional. Bem como de, através dele, divulgar o portal do Banco Mundial sobre a desigualdade (cujo endereço consta já da nossa lista de links).

Referência: Branko Milanovic e Shlomo Yitzhaki, “Decomposing world income distribution: does the world have a middle class?”, Review of Income and Wealth, 48 (2), Junho de 2002.