O mérito e o mercado, ou o mistério de Harvard e a falência do hotel que admite judeus
João Miranda, procurando fazer o panegírico do mercado, também na educação, caíu num erro de análise sério sobre Harvard. Diz ele:
Apesar de ser uma universidade privada, só os melhores alunos é que entram. Não se percebe. Por que é que os gananciosos capitalistas não colocam as vagas a leilão?
O João Miranda, aparentemente não sabe que Harvard apenas escolheu os seus alunos só por uma prova de mérito escolar entre 1905 e 1922. Como o método tinha produzido uma proporção de alunos judeus que a direcção temia que arruinasse o negócio por afastar os alunos das “boas” famílias, foi substituído por uma combinação de técnicas, que variou no tempo, em que a meritocracia foi sendo temperada pelas garantias aos “herdeiros”, a par de outros critérios extra-académicos e discriminatórios.
Nos anos 80, quando foi acusada de ter uma quota secreta para impedir uma proporção elevada de asiáticos, a instituição defendeu-se argumentando que as vagas, depois de ajustadas para os filhos de ex-alunos, e também para os atletas, diga-se, deixavam de ser discriminatórias…
O João Miranda diz-nos que há um “mistério de Harvard” que faz os bons alunos procurarem a escola. Mas esquece o mistério pelo qual a escola não quer sempre os bons alunos. Se o João Miranda, que não conheço e a quem peço que não leia nesta frase nada de pessoal, fosse um dos alunos que, por serem judeus, baixos, tímidos, homossexuais ou asiáticos, foram ultrapassados por outros com mérito académico inferior, era capaz de não gostar nada do mistério do processo de recrutamento e selecção dos alunos de Harvard.
Acresce que esta discriminação ocorre por razões de mercado, de protecção do produto Harvard como marca de prestígio social. É que prestígio social e excelência académica no recrutamento, se não são independentes também não são sinónimos e, quando incompatíveis, a gestão do negócio pende para prejudicar a segunda. Como dizia A. Lawrence Lowell, Presidente de Harvard nos anos vinte: “The summer hotel that is ruined by admitting jews meets its fate… because they drive away the Gentiles, and then after the Gentiles have left, they leave also”.
Se o João Miranda quiser, pode encontrar todos os dados que aqui refiros e outros ainda mais surpreendentes sobre o mérito e o recrutamento para as universidades da IVY League, neste artigo da New Yorker.