sexta-feira, 17 de março de 2006

Regular as migrações (corrigido)

Com a notícia sobre a preparação de uma nova lei de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros de território nacional, vulgarmente designada como lei de imigração, começaram as insinuações sobre as “portas abertas” à imigração, como já foi aqui referido num texto do Miguel Cabrita.

1. A lei de imigração ainda em vigor é uma má lei. Declarando querer controlar ao pormenor o volume e composição da imigração para impedir a imigração ilegal, os governos da coligação PSD/CDS produziram um enquadramento normativo tão irrealista que tornou praticamente inviável a imigração legal. O irrealismo manifestava-se sobretudo no facto de se exigir, no caso das migrações de trabalho, que predominam ainda em Portugal, um visto de trabalho requerido pelo candidato no seu país de origem (onde frequentemente é fraca ou nula a presença da rede consular portuguesa), já com base numa proposta de contrato de trabalho no destino, transitando depois o processo de apreciação desse pedido por três ministérios, sem prazos imperativos de resposta (findos os quais se verificaria um diferimento tácito).
O processo era lento e presumia um grau de organização formal dos mecanismos de contratação que não existe, em Portugal como, provavelmente, em qualquer país. O resultado foi a entrada de mais de 100 mil novos imigrantes em situação irregular durante os governos de Durão Barroso e Santana Lopes. Ou seja, ao discurso do rigor correspondeu a prática do descontrolo .

2. A imigração ilegal pode, e deve, ser reduzida ao mínimo, mas nunca será reduzida a zero. O grau de desespero que leva candidatos a imigrantes a correr riscos de vida para entrar na Europa demonstra-o. Porém, escusamos de acrescentar a essa imigração ilegal, que pode e deve ser minoritária, uma maioria de imigração ilegal originada pelos impedimentos burocrático-administrativos à migração legal. Devemos regular o que pode ser regulado em lugar de sacrificar a nossa capacidade de regulação a objectivos irrealistas de controlo total dos fluxos. Sobretudo, devemos perceber que, como já o disse noutro texto aqui no Canhoto (“Visto do lado de lá”), o controlo efectivo das migrações internacionais para a Europa é hoje de grande eficácia se avaliado em função da enorme pressão migratória Sul-Norte.
O que é má política é produzir imigração ilegal desnecessária e em massa para procurar reduzir a zero a imigração ilegal inevitável mas minoritária.

3. A necessidade de regular os fluxos advém da necessidade do trabalho imigrante. Mesmo com os actuais níveis de desemprego, há procura de trabalho imigrante nos sectores socialmente mais desvalorizados do mercado de trabalho que não suscitam procura interna, como há procura de trabalho imigrante qualificado em áreas com mais carências de profissionais.
A não relação entre desemprego e procura de trabalho migrante tem sido, aliás, uma das condições de viabilização da emigração de portugueses para países como a Alemanha, onde, nos últimos quinze anos, a taxa de desemprego foi sistematicamente superior mesmo ao valores actuais da taxa de desemprego em Portugal.

4. Havendo procura de trabalho imigrante, a boa prática legislativa consiste em criar mecanismos que, não prejudicando o controlo da imigração, permitam regular aquela que é originada pela procura. Substituir a exigência de visto prévio de trabalho pela de visto de residência de curta duração que permita a procura de um contrato de trabalho no destino, como foi noticiado pelo Público, parece ser do mais elementar bom-senso. Qualificar esse bom-senso como política de “portas abertas” significa que nada se aprendeu sobre a história recente de persistente produção de imigração ilegal desnecessária e generalizada no nosso país, a qual teve uma origem clara: com a obsessão totalitária de tudo se controlar nada se controlou, nada se regulou.