Salvemos o Censo!
Aproveitando a onda da simplificação administrativa, voltou à tona, uma vez mais, a hipótese de substituir o Recenseamento Geral da População pelo cruzamento generalizado de bases de dados administrativos.
1. Para quem é utilizador dos dados dos censos, esta é uma má notícia. A realização dos censos constitui um momento insubstituível de produção de dados fundamentais para a análise social, económica e demográfica da população residente em Portugal. Directamente, pela informação que facultam, e indirectamente, por permitirem a construção posterior das amostras estatisticamente aleatórias que suportam a aplicação das grandes operações de inquirição por amostragem.
Os censos são ainda instrumentos imprescindíveis de controlo da informação secundária, sobretudo num país como Portugal, onde são vastos os efeitos de obscurecimento estatístico provocados pela informalidade administrativa e fiscal. Como o sabem todos quanto trabalham com indicadores que usam fontes administrativas, os dados dos censos revelam sempre a existência de desvios importantes em séries estatísticas que, de outro modo, dificilmente poderiam ser detectados e corrigidos.
2. O fim dos censos facilitaria, por outro lado, a construção de uma legitimidade técnica acessória para as operações sistemáticas e extensivas de cruzamento de bases de dados. Sendo impossíveis de evitar totalmente, essas operações deveriam, no entanto, ser conduzidas de modo controlado e limitado. A razão é simples: sem esses cuidados agravar-se-á a assimetria entre o poder do Estado e o poder dos cidadãos, colocando nas mãos do primeiro recursos excessivos de vigilância dos segundos. Desenvolvendo-se, por esta via, a base sociotécnica do totalitarismo contemporâneo.
3. Salvemos pois os censos. E, de caminho, facilitemos a vida à liberdade.