quarta-feira, 5 de abril de 2006

É tudo igual!

Não é, e esta é expressão que não devia ser tolerada quando proferida por quem for política ou intelectualmente responsável. Mas é expressão que, sob várias formas, surge vezes demais em intervenções orais e escritas.

1. O António Dornelas referiu-se a uma das variantes da expressão a propósito das declarações de Manuel Alegre sobre o fecho de pequenas maternidades, em que o deputado do PS comparava a situação agora vivida em Portugal aos piores anos do salazarismo. A comparação de Alegre não é só errada do ponto de vista factual. É ainda irresponsável porque desvaloriza, para quem não os conheceu directamente, os males do salazarismo e, em consequência, desvaloriza também o valor da democracia. Para essa desvalorização é irrelevante o currículo de Alegre: as palavras têm efeitos muito para além das intenções de quem as proferiu, como o sabe certamente quem da sua escrita fez profissão.

2. Este tipo de irresponsabilidade não é, porém, exclusiva dos agentes políticos. Está também presente, com mais frequência do que o desejável, em metáforas elaboradas por cientistas sociais, em prejuízo de um rigor conceptual que deve sempre especificar em vez de diluir as fronteiras do que é analiticamente definido. É o caso, por exemplo, da expressão “fascismo social” proposta e divulgada por Boaventura Sousa Santos (BSS). Com a expressão quer o autor classificar o carácter não democrático do “regime social”, por contraposição com o do “regime político”. Como no regime social não há mecanismos de decisão próprios para além dos políticos, a expressão é metafórica, não conceptual, apesar da fuga para a frente ensaiada quando se fala do “poder de veto” sobre o social dos “actores não estatais”. E uma vez mais, a comparação é leviana. Não é verdade que as políticas sociais sejam definidas, no essencial, por “actores não estatais” e não é verdade que, na Europa, o bem-estar social esteja acantonado. A radicalidade da metáfora é ineficiente em termos conceptuais e é, como a de Alegre, irresponsável em termos políticos porque desvaloriza o que existe por comparação com o que não existiu no fascismo real e por comparação com o que não existe para além da Europa social.
Não é assim que conseguiremos melhorar e viabilizar a conquista civilizacional que designamos por Europa social.