Desigualdade: duas coisas que já se sabem
No seu artigo do Público de hoje, embora afirme que a presença da desigualdade pode ser uma moda passageira, António Barreto (AB) apela à realização de estudos mais profundados sobre as causas das desigualdades, que, como ele próprio reconhece, resistem quase incólumes às mudanças ocorridas nos últimos trinta anos. Vinda de quem vem, tal posição só pode merecer aplauso. Todavia, há coisas que se sabem e que não couberam no artigo de AB. Dois exemplos, a eventual benefício dos interessados.
A primeira coisa que se sabe é que a contratação colectiva de trabalho regula pouco os salários efectivos. A demonstração está feita no Livro Verde sobre as Relações Laborais (LVRL) e, até aprova em contrário, dessa demonstração resulta que um dos factores relevantes da desigualdade na distribuição de rendimentos resulta das políticas salariais seguidas pela generalidade dos empregadores. Há, aliás, um conjunto de estudos e de indicadores — que são públicos, embora muito pouco citados — que confirmam indirectamente as conclusões a que se chegou no LVRL. Um exemplo, entre outros possíveis: a desigualdade de género, é elevada quando as remunerações das mulheres dependem das decisões dos empresários mas tem padrões opostos na administração pública, onde as remunerações dependem sobretudo das qualificações escolares.
A segunda coisa que se sabe é que a protecção social dos baixos rendimentos é insuficiente e manifestamente mais baixa do que na generalidade dos países da União Europeia, como se ilustra no quadro junto. Mas, num país em que o salário médio é cerca do dobro do salário mínimo e em que existe uma elevada percentagem de pobres a trabalhar, muito embora seja indispensável desenvolver as políticas sociais, a questão da desigualdade não pode ser tratada tratada apenas com políticas que visam limitar os efeitos dos mercados sobre os mais baixos níveis rendimento.
É também por isso que os debates em curso sobre a reforma da segurança social e sobre o modo de resolver as questões do endividamento público são tão interesantes quanto reveladores das escolhas políticas, explícitas ou implícitas, de quem se pronuncia sobre uma e outras questões.
Como julgo que a desigualdade não só não é uma questão de moda como constitui um dos maiores problemas do nosso País, oponho-me a qualquer estratégia que, pela redução da despesa social, tenha como consequência degradar o nosso débil sistema de protecção social. Pelo contrário, aposto decididamente em duas orientações complementares: reduzir a fraude e a evasão fiscal e parafiscal e recalibrar os sitemas de protecção social e de regulação dos mercados de trabalho.
Mas, até prova em contrário, nem uma coisa nem outra trarão os níveis de desigualdade portugueses para padrões europeus se não forem complementadas pela destruição desse tabú que protege da investigação, da crítica e das propostas políticas que visam moderar as desigualdades deles resultantes os altíssimos níveis de rendimento de alguns grupos de pessoas.