quarta-feira, 10 de maio de 2006

DN “convoca” manifestação (e adenda)

Se o POUS (acho que ainda existe) convocar uma manifestação para um qualquer município do interior com o objectivo de protestar contra a eventual futura deslocalização de uma empresa aí sediada, terá direito a uma página do DN? Não, e bem. Se depois essa manifestação, surpreendentemente, mobilizar muito mais do que o esperado será notícia no DN? Provavelmente sim, e, de novo, bem.
Mas quando o DN noticia com antecedência, em página inteira, a convocação de uma manifestação pelo PRN, para Vila do Rei, antes de qualquer acontecimento que seja notícia, cai na armadilha em que não devia cair: serve de veículo à convocatória da manifestação que, sem estas notícias, seria ineficaz. Torna-se como que no mandante da dita convocatória.
Dir-me-ão que não compete ao jornal seleccionar aquilo que é notícia. Para além de ainda não haver notícia, e, já agora, de tal não ser verdade (todos os dias se selecciona o que é e não é noticiado), também compete aos órgãos de comunicação resistirem a tentativas de manipulação em que são usados como canais de propaganda. Será difícil mas não deixa, por isso, de ser uma exigência de responsabilidade jornalística.


ADENDA

Comentário.Ainda bem que já não há censura e que o Rui Pena Pires não está munido do seu lápis azul…
Resposta. O comentário deste anónimo assenta num equívoco perigoso: não proponho que se proíba alguém, incluindo o DN, de noticiar uma manifestação do PRN. E só há censura quando há proibição. A palavra censura não deve ser usada com tanta ligeireza; como a liberdade de informação não dispensa quem a usa da avaliação, por terceiros, da responsabilidade do seu uso. Neste caso concreto discordo do critério editorial da redacção do DN, que considero irresponsável. E não aceito que não possa avaliar o que a imprensa escreve, o que inclui pronunciar-me sobre a construção da sua agenda. Reivindicar a possibilidade de agir sem se estar sujeito à apreciação crítica do que se faz é reivindicar mais do que um estatuto de irresponsabilidade: é reivindicar um estatuto de divindade que trata as críticas como blasfémias.
Usa-se, mas é ilegítima, a condenação de toda a crítica às decisões editoriais dos média (crítica, sublinhe-se, não proibição) como ataque à liberdade de informação. Condenação ilegítima que, essa sim, prejudica a liberdade.