quarta-feira, 10 de maio de 2006

Política demográfica e política migratória

As sistemáticas notícias sobre o envelhecimento da população portuguesa têm vindo, progressivamente, a colocar na agenda pública a necessidade de políticas de promoção da natalidade. Com a iniciativa da Presidente da Câmara de Vila do Rei, ganhou visibilidade uma outra componente possível da política demográfica: a política migratória.

1. É possível conduzir, com sucesso, políticas natalistas num quadro democrático? É, mas com limitações, nos meios como no tempo, longo, dos resultados. Nos meios, porque a promoção da natalidade depende sobretudo da alteração dos constrangimentos que seleccionam como mais racional e sensata a opção de ter menos filhos do que dantes. Reduzir o comportamento demográfico recessivo a uma questão de mentalidades é simplificar demais um fenómeno que tem outras causas. Uma dessas outras causas é o aumento da responsabilidade no exercício das funções parentais. Não é hoje aceitável, e bem, ter filhos que se largam no mundo sem grandes preocupações. Respeitem-se pois as escolhas dos cidadãos e tente-se compreender a sua racionalidade em lugar de os julgar com demasiada leveza: hoje só tem muitos filhos quem dispõe de recursos materiais e familiares raros, ou quem é insensato. E para alterar este quadro servem de pouco os incentivos fiscais (ou equivalentes), de proporções necessariamente pouco mais do que simbólicas. Em contrapartida, podem ser muito mais eficazes apoios que permitam, aos pais, superar as mil dificuldades que se colocam à organização de um quotidiano com filhos. Por exemplo, uma rede densa de creches e jardins-de-infância com horários alargados e uma escola a tempo inteiro (desejavelmente até às 19 horas) poderão fazer mais pelo aumento da natalidade do que mil incentivos (ou, já agora, castigos…) pecuniários.

2. A ser bem sucedida, uma política natalista com aquelas bases terá efeitos apenas a longo prazo. No imediato, as dinâmicas de envelhecimento poderão, no entanto, ser parcialmente compensadas com recurso à imigração. Até porque parte do envelhecimento é também o resultado do crescimento da emigração portuguesa no contexto da livre circulação no espaço europeu. Não constituindo a população nacional um sistema fechado, o recurso à imigração seria sempre necessário para, pelo menos, compensar os efeitos demográficos recessivos da emigração. Se, para além de compensar a emigração, quisermos ainda suprir alguns dos efeitos da baixa da natalidade, seria necessário que o volume da imigração fosse maior do que é hoje. E conviria, ainda, que fosse incentivada, desde o início, uma imigração de fixação de casais jovens, para que os efeitos demográficos da imigração se manifestassem tanto no plano do crescimento dos activos, de imediato, como no da natalidade, a curto prazo. Sem, no entanto, ter ilusões sobre um eventual comportamento demográfico diferenciado dos imigrantes por comparação com o dos restantes residentes: num prazo relativamente curto, estes tendem a adoptar os comportamentos demográficos prevalecentes na sociedade em que se fixam (como o demonstraram os estudos franceses que contrariaram a demagogia lepenista sobre a “França árabe”) — prova adicional, aliás, da racionalidade desses comportamentos demográficos, mais ditados pela avaliação da situação do que por mentalidades “herdadas” ou “transportadas”. Os efeitos demográficos da imigração só serão pois sustentáveis se a imigração for continuada.

3. Quando a imigração é parte da política demográfica, colocam-se exigências específicas às políticas de imigração e de integração. Às políticas de imigração, em sentido restrito, porque se exige uma atitude mais pró-activa de recrutamento de imigrantes, para além da gestão defensiva da procura migratória preexistente. Às políticas de integração, porque associar a imigração à solução da quebra da natalidade significa que se decidiu que a reprodução da população portuguesa passa, também, pela imigração. Ou seja, passa pela transformação de imigrantes estrangeiros em novos portugueses, por um lado, e pela definição dos seus filhos como portugueses desde o início, por outro. “Fabricar” novos cidadãos nacionais por via da imigração, à semelhança do que fazem americanos ou canadianos há décadas, implica defini-los como “nós”, incentivá-los a serem “nós” e dar-lhes condições para que se definam como “nós”. Condições jurídicas (que exigirão voltar à Lei da Nacionalidade daqui a alguns anos) e condições práticas, de entre as quais é vital o ensino do português. Como exigem que, definitivamente, se abandone o critério da reciprocidade, que enfatiza a pertença originária em detrimento da nova pertença, enquanto critério relevante para o desenho das políticas de integração, em todos os planos: profissional, social e político.

4. Sejam portugueses! É esta a mensagem que tem que passar para os novos imigrantes candidatos à fixação. Como é este o referencial que devemos usar na avaliação das nossa políticas de imigração, se queremos que estas sejam parte de novas políticas demográficas: promovem estas, ou não, a transformação de imigrantes estrangeiros em novos portugueses?