sábado, 17 de junho de 2006

GM Azambuja: escolher a reforma, não a “vacina”!

1. Há um ano atrás, escrevi aqui que a Opel da Azambuja constituía o elo que faltava para concretizar uma estratégia sindical europeia de resposta à decisão unilateral da administração da GM Europa (GME) de proceder a cortes drásticos dos custos e do emprego.
Hoje está em cima da mesa a possibilidade de deslocalização da fábrica da Azambuja para Saragoça. Argumento: a diferença no custo de produção das viaturas construídas na Azambuja excederia em 546 € a sua produção em Saragoça, em consequência de causas tecnológicas, logísticas, geográficas e laborais.
2. Ao contrário do aconteceu em anteriores conflitos laborais na Azambuja, desta vez, a FEM – a organização sindical europeia que inclui o sector automóvel – manifesta-se a favor da posição dos trabalhadores da Azambuja. Com greves já anunciadas para Saragoça e outras fábricas europeias da GM, a FEM posiciona-se claramente contra a decisão da GME de encerrar a fábrica da Azambuja, declarando que se está perante […] a European-wide disinvestment plan that we are now faced with and Azambuja is only the first in a series of plant closures planned by GME in Europe e que GMe’s objective is to redeploy its activities to low-cost countries like Russia, China or Korea. […]. The EMF wants to alert the political decision-makers at national and European level about this disinvestment, which would be an economical and social disaster for many regions in Europe. This decision is also an infringement of the European framework agreement concluded between GME management and the EEF and on 8th December 2004.
Uns dias antes, Robert Reich, um professor de economia que foi Secretário do Trabalho durante o primeiro mandato de Bill Clinton, escrevia, sobre a redução de empregos, de direitos e de salários dos trabalhadores da GM nos EUA que […] the problem is not jobs. It’s wages and benefits. The real median wages and benefits of American auto workers have been dropping for several years. A quarter century ago, America’s auto workers were at the top of the heap. Technically, they were blue-collar, but their wages and benefits put them near the top of the middle class. Lately they’ve been descending into the lower middle class. This is partly because Americans who work for foreign-based automakers are not unionized and don’t earn UAW type wages and benefits. And it’s partly because even the UAW has been forced to accept cuts. The President of the UAW warns of more wage and benefit give-backs to come […].
A consequência parece-me óbvia: quando devidamente articulado entre os planos nacional e europeu,o diálogo social conta e dá resultados, mas não basta.
3. É por estas razões que alguns artigos - o de José Miguel Júdice (JMJ), publicado no Público de ontem, o de Nicolau Santos (NS), publicado no Expresso de hoje - dizendo muita coisa de meridiano bom senso, erram, a meu ver, no essencial: mesmo que se tivessem feito todas as reformas sugeridas por JMJ, mesmo que os representantes dos trabalhadores da Azambuja tivessem seguido desde sempre uma estratégia lúcida, ninguém bem informado e de boa fé poderia garantir que a GME não levantaria a tenda da Azambuja, como, aliás, está a fazer noutros pontos da UE e dos EUA.
É claro que se as instituições funcionassem melhor, se algumas reformas essenciais tivessem sido feitas há mais tempo, se os trabalhadores e os seus representantes dentro da Opel da Azambuja tivessem compreendido a tempo e horas o que estava em causa, talvez, mas apenas talvez, a Azambuja não se tivesse tornado o elo mais fraco da GME. Talvez, mas apenas talvez, os empregos tivessem sido perdidos noutra fábrica europeia ou americana da GM. JMJ tem razão, julgo, quanto às possíveis “ondas de choque” da Azambuja, tal como NS tem razão, parece-me, quando prefere a estratégia aprovada pelos trabalhadores da Autoeuropa à que foi seguida na Azambuja.
4. Mas erram, penso, quando os seus textos ignoram um dos principais protagonistas do conflito, a administração da GME . E, quando não analisam a estratégia por ela seguida, omitem uma parte da explicação, a meu ver indispensável, que se prende com a dupla assimetria, tornada possível pelo modelo actual de globalização: como o capital é cada vez mais capaz de ultrapassar as fronteiras do tempo e do espaço, tornou-se nómada e passou a poder ser gerido pela lógica financeira de curto prazo; como o trabalho é menos móvel do que o capital e como a perda parcial de meios de intervenção política dos estados-nação não foi compensada nem pelo desenvolvimento da Europa política e social nem pela regulação política da globalização, os modelos de gestão social e política tradicionais e baseados exclusivamente no estado-nação tornaram-se obsoletos.
5. Nesta situação pode adaptar-se o modelo que Kissinger desejava para Portugal em 1975, e usar a Opel da Azambuja como vacina contra o modelo social europeu. É o que faz JMJ. Mas também se pode replicar a estratégia dos que, como fez Mário Soares em 1975, conceberam e fizeram funcionar uma estratégia alternativa à da administração Nixon, encontrando um modo de dar à política o lugar central que lhe cabe nas arbitragens entre capital e trabalho e entre o plano nacional e supra-nacional. É o caminho dos que querem reformar o modelo social europeu mas não ignoram que uma parte do sucesso dessa via depende do que for feito para substituir a concepção neo-liberal da globalização que agora a rege por um modelo em que a dimensão social esteja presente. É o caminho dos que, percebendo o que está em curso, não querem viver num mundo de crescente insegurança, em que a única escolha possível seja entre níveis crescentes de desemprego com pobreza controlada, como na maioria da UE, ou aumentos drásticos da desigualdade, da pobreza e do encarceramento dos cidadãos para se ter um pouco menos de desemprego, como nos EUA. Esses escolhem a reforma, não a “vacina”.