terça-feira, 6 de junho de 2006

O futuro da protecção social alguns passos mais à frente

Estamos ainda a construir o clima de consenso necessário a uma protecção social assente na protecção de todos. A controvérsia inicial sobre a introdução do rendimento mínimo garantido, num país com o nosso nível de pobreza, é um bom exemplo dessas dificuldades. Importa por outro lado, construir as bases para uma relação de cidadania com a protecção social. O clima de complacência com a fraude e a fuga às obrigações contributivas eram bons exemplos de um défice de legitimidade do sistema.
Por outro lado, importa criar as condições institucionais para que o sistema de protecção social não sofra problemas sérios de financiamento, mesmo sabendo que, comparativamente, Portugal ainda gasta pouco com protecção social. Mas o actual sistema de financiamento não lhe permitiria gastar mais. Há as margens que derivam do crescimento económico expectável e do aumento da eficácia nas cobranças. Mas haverá também que estar aberto para novas formas de financiamento de um aumento de despesas inevitável e desejável para uma segurança social forte para todos.
Há, também, que corrigir os desequilíbrios típicos da protecção social do sul da Europa. Em primeiro lugar, pela redução das profundas assimetrias sociais. Na Europa, em geral, os sistemas de protecção social têm grande impacte na redução da pobreza. Nos últimos anos foram dados passos significativos neste sentido, com a criação do Rendimento Mínimo Garantido, com as correcções na formação e nos aumentos das pensões, com as novas prestações familiares. Persistem problemas devidos à imaturidade do sistema e ao escasso esforço contributivo passado dos actuais pensionistas. Mas todo o sistema tem que continuar a ser examinado na óptica da sua maior eficácia na imunização contra a pobreza.
Tal esforço passa, também, por uma nova cultura de solidariedade. Não está em causa apenas o desenvolvimento das prestações, mas a expansão de serviços de apoio às pessoas e às famílias. O que, em Portugal e na Europa, não se pode perder de vista, é que o que hoje somos é fruto, também, de avanços significativos no bem-estar que, a serem postos em causa, podem eles próprios transformar-se em factores de regressão mais global.

Os parágrafos acima fechavam o texto que escrevi para a edição de 1999-2000 do anuário Janus, que redescobri agora online. Bem vistas as coisas, conjunturas à parte e alguns passos adiante, a agenda de reforma progressista da segurança social continua a ser basicamente a mesma.