quinta-feira, 8 de junho de 2006

Obrigatório facultativo (revisto)

1. Um dos temas recorrentes nos debates sobre a proclamada crise das democracias europeias faz-se em torno da interpretação da tendência para a subida da abstenção nas eleições, em Portugal como na maioria dos países desenvolvidos. Da simples verificação deste facto retiram-se as mais amplas conclusões: falta de qualidade da democracia, degradação dos partidos, crise de confiança nas instituições, são algumas das causas apontadas. Alguns estudos, porém, permitem travar interpretações tão amplas de facto tão restrito.
Em primeiro lugar, chamando a atenção para a muito desigual distribuição da abstenção, que indicia ser esta o resultado de comportamentos prevalecentes sobretudo em alguns sectores sociais e entre as gerações mais jovens, pelo que é prudente evitar as explicações grandiloquentes como as acima referidas. Em segundo lugar, salientando a relação entre as variações da abstenção nas comparações internacionais e os diferentes tipos de regimes de voto.

2. Cheguei aos resultados de um desses estudos através da página da Open Democracy. De modo muito simples aí se assinala a relação entre a obrigatoriedade do voto e o nível da abstenção: esta é maior quando o voto é facultativo, média quando o voto é obrigatório mas não há sanções efectivas para o não cumprimento dessa obrigatoriedade, e, obviamente, menor quando o voto é obrigatório e o incumprimento da obrigação é objecto de sanção efectiva. Nos dois países da UE que aplicam o terceiro regime, Bélgica e Grécia, a abstenção é por isso inferior a 10%.

3. Os adeptos da espontaneidade social argumentarão que esta é uma solução forçada que não assegura uma participação verdadeiramente empenhada. Passe-se à frente da espinhosa questão de saber o que é “verdadeiramente” qualquer coisa, e assinale-se que a maior participação eleitoral decorrente do efeito dissuasor da sanção resulta sempre de um ganho de empenhamento político. Antes de mais porque quem assim vai votar acaba por construir razões para as escolhas que faz; depois porque estando o voto destes eleitores em jogo, os partidos não podem deixar de a eles se dirigir.

4. Outros porão em causa o iliberalismo de tal solução. Os mesmo aceitarão porém que o incumprimento dos deveres fiscais seja sancionável; será o incumprimento dos deveres políticos menos grave? Por mim, prefiro soluções simples com resultados claros: se com a mera introdução de um regime de obrigatoriedade do voto com sanção efectiva em caso de incumprimento for possível aumentar para níveis belgas e gregos a participação eleitoral em Portugal, dispensaria grandes reformas com o mesmo objectivo. Para isso basta aliás acabar com a (estranha) norma da “obrigatoriedade facultativa” do dever de voto que resulta da definição deste como simples dever cívico e, portanto, sem qualquer consequência no plano da lei eleitoral.