A única oposição possível é a liberal?
Na primeira metade da década de 80, quando a esquerda radical tomou conta do partido trabalhista, vários social-democratas moderados bateram com a porta e criaram o SDP, que está na base dos actuais Liberais Democratas. Roy Hattersley pertencia ao grupo social-democrata do "Labour" mas optou por ficar a defender a moderação. Hoje, perante a estratégia centrista de Blair, Hattersley e outros social-democratas reconhecem com alguma ironia que, no espaço de uma década, passaram de «direitistas» a «velhos esquerdistas», sem terem saído da mesma posição ideológica. Foi assim que, muito naturalmente, os Liberais Democratas apareceram nos últimos anos à esquerda dos trabalhistas no espectro partidário britânico.
Vem isto tudo a propósito da manifesta crise de identidade que o PSD atravessa. Pacheco Pereira costuma dizer que o PSD ocupou em Portugal o espaço que o PSOE de Felipe Gonzalez ocupou em Espanha: de acordo com esta teoria, o PSD teria uma espécie de monopólio da representação do reformismo centrista entre nós. É verdade que o PS se foi aproximando desse espaço, mas convenhamos que, com Guterres, houve centrismo a mais e reformismo a menos. Subitamente, em quinze meses de governo Sócrates, tudo mudou. O PSD já não tem o monopólio do reformismo. Pior: começa a ficar claro que verdadeiramente nunca teve.
Confrontado com este problema de demarcação política, o PSD, sem grandes raízes ideológicas e a actuar num país que preza o papel do Estado, podia seguir a estratégia «social» dos liberais democratas ou seguir, simplesmente, o que sempre foi a tradição da direita europeia: politicamente autoritária e muito desconfiada da economia de mercado. Era o caminho eleitoralmente mais fácil. Mas, honra lhe seja feita, não é esse o caminho de Marques Mendes. Mendes parece concordar com a última tese de Pacheco Pereira: a única alternativa ao PS é mais liberalismo. Ainda ontem, no Estado da Nação, o líder do PSD defendeu a privatização dos transportes e da segurança social. Mendes chegou mesmo a classificar o actual governo de «conservador». É verdade, e ainda bem, que este não é um governo puramente liberal. Mas duvido que, para além de Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes, algum português queira mais liberalismo económico. Segundo as sondagens, eleitorado olha para este governo como um governo competente e reformista. Que «está a fazer o que é preciso» para salvar um modelo minimamente digno de vida em sociedade. Mesmo que daqui a três anos o défice, o crescimento e o emprego estejam mais ou menos na mesma, os portugueses dificilmente optarão por uma alternativa que seja vista como «mais do mesmo» ou que ponha em causa aquilo que para a maioria deles é inegociável: os serviços públicos e o Estado social.