O Governo, o PS e o Congresso
Sexta-feira passada, Augusto Santos Silva esteve em Setúbal a conversar sobre o governo, o PS e o congresso que aí vem. Também lá estive.
O DN de hoje cita uma frase minha, faz uma interpretação dessa frase que não corresponde ao que queria dizer e não aborda o sentido geral do que pretendi dizer nessa reunião.
O jornalista tem, obviamente, o direito de interpretar como entende o que ouve e o que considera relevante no que é dito. Mas o sentido que pretendi dar ao que disse não aparece no artigo, apesar da frase citada. Para quem tiver ficado com alguma curiosidade de saber aquilo que penso – e posso até não ter formulado suficientemente bem na sexta-feira à noite – aqui fica um registo do sentido político que queria dar às minhas palavras:
1. O Governo está a executar um Programa subordinado à recuperação orçamental e à necessidade de interromper o ciclo recessivo, como se impõe na actual conjuntura.
2. Há no actual governo uma tendência excessiva para rever em baixa o contributo dos anteriores governos do PS. António Guterres foi o mais cosmopolita dos Primeiros-ministros portugueses desde Mário Soares e quem liderou a transição do PS de partido apenas preocupado com a exclusão social para o partido da modernidade que é hoje. Este valor, aliás, esteve durante muito tempo ligado a Cavaco Silva e ao PSD e este governo poderá materializar em novas políticas a ruptura iniciada por Guterres. Não pode é pensar que a percepção pública dos partidos são imutáveis.
3. José Sócrates pôs a questão da igualdade na agenda, na entrevista que deu a Maria João Avillez. Concordo e não era evidente, há uns meses atrás, que o estivesse agora a fazer.
4. O PS deve começar a preparar o programa para a próxima legislatura. Ou seja para quando deixar de ter que subsumir outras prioridades à recuperação da situação orçamental. Esse programa tem que romper com a inércia conservadora na questão da desigualdade, valorizar mais os direitos cívicos, continuar a modernizar e elevar a qualidade dos serviços públicos, incluir um impulso sério nas políticas de vida (a que Augusto Santos Silva chamou “agenda dos costumes”) e olhar para o nosso modelo social com a ideia de reforçar a sua sustentabilidade social, corrigir a sua insuficiente capacidade redistributiva, aumentar a sua eficiência contra a pobreza e considerar adequadamente os novos riscos sociais.
5. Tudo isto devia ser começado a preparar já no Congresso do fim deste ano. Por exemplo fazendo entrar em funções um grupo de alto nível, mandatado pelo próprio Congresso, para a preparação do programa para a próxima legislatura
6. Se o PS cair no erro de chegar às próximas eleições com a mera continuidade do actual programa de governo arrisca-se a não merecer de novo a confiança dos eleitores.