O período português de Mircea Eliade
Mircea Eliade foi funcionário diplomático da embaixada romena em Lisboa entre 1941 e 1945, ano em que, com as convulsões do fim da segunda guerra mundial e a mudança política no seu país, partiu para Paris como exilado.
Os anos portugueses de Eliade são relativamente pouco conhecidos e a sua influência na transformação do seu pensamento estão ainda mal estudados. Anticomunista e filogermânico, na esfera de relações, mais do que apenas profissionais, com António Ferro e o seu círculo, a ditadura portuguesa impressionou Eliade ao ponto de, na sequência de uma entrevista a Salazar, escrever um livro sobre a "revolução cristã" em Portugal, a que Sorin Alexandrescu diz que ele chamou originalmente, aliás mais apropriadamente e com intenção positiva, contra-revolução.
Que eu saiba - e pode ser ignorância minha - não há colecção portuguesa dos escritos publicados nesse período: os artigos no Acção, os livros Salazar e a revolução em Portugal e Os Romanos, latinos do Oriente. Também não havia em romeno. Mas agora há e com a vantagem de se lhe ter juntado o diário português, ao que garantem os editores parcialmente inédito e o único a ser publicado sem tratamento posterior pelo autor.
Esta edição é acompanhada de três apresentações, de Florin Turcanu, que tinha estudado os materiais de Chicago, Mihai Zamfir, lusista, que foi embaixador da Roménia em Lisboa e Sorin Alexandrescu. O terceiro, professor de semiótica e cultura romena em Amsterdão, complementou o seu trabalho com um companion book da edição, ue vou desbravei com o meu domínio incipiente do romeno.
Sorin Alexandrescu considera que a influência recebida neste período do contacto com Ortega y Gasset e com Carl Schmitt (esta última relação, iniciada com o encontro em Berlim em 1942, ainda mal conhecida) mudou os valores de Eliade, que Portugal foi um período de luto (pessoal e político) e que ambos tornam mais fácil compreender a sua vida a partir do período posterior, em Paris e a metamorfose da vida pública, ainda em resistência ao novo regime comunista, para a convicção de que o destino do exilado era a sua própria actividade criativa.
O cuidado com que a Roménia contemporânea está a revalorizar Mircea Eliade e o debate que em torno dele se gerou é ainda parte da reabilitação do autor proíbido até 1989 e do reencontro, típico nas pós-ditaduras, com o seus exílios.
Visto de Portugal, estas publicações permitem, no mínimo, ampliar o nosso conhecimento sobre a percepção exterior do país, a perseverança e os efeitos reais da propaganda do regime português sobre os intelectuais rendidos ao autoritarismo presumido brando da ditadura portuguesa.
Do ponto de vista da biografia intelectual de Eliade colmata lacunas de conhecimento sobre as suas convicções na época em que esteve ligado à ditadura corporativa de Antonescu e ilumina melhor a sua percepção (negativa) do mundo que resultaria da vitória dos aliados na segunda guerra mundial.
Alexandrescu, Sorin, Mircea Eliade, dinspre Portugalia, Bucareste, Humanitas, 2006
Eliade, Mircea, Jurnalul Portughez si alte scrieri, 2 vols., Bucareste, Humanitas, 2006