O socialismo e a gaveta
A discussão sobre se o PS quando chega ao Governo vira ou não à direita é tão velha como a democracia portuguesa. Independentemente da sua bondade e adesão à realidade, na sua versão actual traz duas questões politicamente relevantes, que resultam menos do enquadramento ideológico da governação e mais da postura governativa (i.e. o enfrentar dos “interesses corporativos”). Uma primeira que tem a ver com a própria eficácia das políticas implementadas contra os interesses organizados sectoriais. A este propósito, recomendo vivamente o artigo que o Pedro Magalhães escreveu no Público há umas semanas, e que entretanto já está disponível aqui. E uma segunda que remete para os riscos eleitorais de uma estratégia de governação que enfrenta a base social que tradicionalmente apoia o PS. Sobre este tema, escrevi um artigo na Revista Atlântico de Junho, que pode ser lido aqui.
“O Governo enfrenta um importante dilema: saber se deve continuar a fazer o que o realismo obriga a que seja feito, fragilizando a relação com a sua base social ou, pelo contrário, governar consolidando a sua ancoragem partidária e eleitoral. Enganar-se-á quem pensa que há uma solução win-win, assente num futuro de sucessivas vitórias eleitorais. O país ficará um pouco mais sustentável, mas quem vier depois terá como principal missão “juntar os cacos”. Está em jogo um trade-off entre realismo e sustentabilidade futura do PS, um trade-off que é também entre governabilidade e institucionalização da democracia. A opção tomada, sendo acertada, é de enorme risco. Um risco talvez apenas superado pela tentação para fingir que ele não existe.”