Uma década de Rendimento Mínimo Garantido
A alguns parecerá que foi ontem; a outros parecerá ter passado muito mais tempo. Fez por estes dias dez anos que foi promulgada a Lei que instituiu pela primeira vez a garantia de um rendimento mínimo em Portugal.
Apesar de Portugal ser, já então, dos poucos países da Europa em que não existia uma medida deste tipo, nos anos que o antecederam o Rendimento Mínimo Garantido (RMG) foi objecto de uma intensa controvérsia: sobre a sua bondade, primeiro que tudo, mas também sobre a sua exequibilidade e sobre a capacidade institucional e financeira do Estado de o montar. Essa discussão esteve, aliás, no centro do debate eleitoral de 1995, onde funcionou como marco de clara divisão ideológica.
Contra um coro de críticas da direita (e, não o esqueçamos, reservas audíveis de parte da esquerda), o RMG acabaria por avançar logo em Junho de 1996. Primeiro em projectos-piloto localizados, num período experimental, depois de forma generalizada. E o que se passou nos anos que se seguiram é conhecido.
Desde logo, o êxito da experiência mostrou que era exequível, e muito vantajoso, introduzir um esquema deste tipo - num dos países com maiores índices de pobreza e de desigualdade na Europa.
A polémica, por seu turno, foi sendo alimentada ao longo dos anos, garantindo visibilidade quase contínua à medida e instrumentalizando-a, não poucas vezes, como mera arma de arremesso e símbolo de clivagens ideológicas.
O mapa destas clivagens, porém, transformou-se significativamente. À esquerda as reservas iniciais tornaram-se cada vez menos audíveis; e à direita o consenso (ou consentimento) relativo que se instalou à esquerda estendeu-se também ao PSD, que abandonou gradualmente a sua oposição militante à ideia. O CDS ficou, nesse quadro, isolado no papel de "oposição" assumida – de que o partido se apropriou, aliás, como trunfo eleitoral e como símbolo de identidade partidária.
O facto, porém, é que o RMG sobreviveu, mesmo com o CDS no Governo a partir de 2002 e ocupando a pasta da Segurança Social. Mudou o nome para Rendimento Social de Inserção, mudaram transitoriamente algumas das normas, viu ameaçado algum do seu potencial de intervenção. Mas, depois de tantos anos de sucessivos ataques cerrados à sua legitimidade, mesmo assim o RMG/RSI sobreviveu até hoje. Este facto, aparentemente simples, deve significar alguma coisa.
A longevidade do RMG/RSI é, em si mesma, um sinal de como, no campo social, a sedimentação e o capital de legitimidade do tipo de intervenção que o RMG introduziu, como algo fracturante, há dez anos é hoje um dado praticamente adquirido. E só isso já seria um ganho importante, na perspectiva de modernização do país e do seu modelo de protecção social.