Monoculturalismo plural
O Courrier Internacional de 9 de Junho incluía um texto de Amartaya Sen sobre os usos e abusos da ideia multiculturalista (pp. 41-42), publicado originalmente em The New Republic. Vale a pena citar extensivamente.
“Uma das questões fundamentais relaciona-se com a forma como os seres humanos são vistos. Devemos classificá-los em função de tradições herdadas e dar automaticamente a essa identidade não escolhida a preeminência em relação a outras afiliações que podem dizer respeito, entre outros laços sociais, à política, à profissão, à pertença de classe ou de género, à língua, à literatura ou aos empenhos sociais? Ou será necessário considerá-los indivíduos com numerosas afiliações, que estabelecem eles próprios a sua ordem de prioridades (assumindo a responsabilidade inerente a essa escolha consciente)? Devemos apenas “deixar em paz” as pessoas provenientes de meios culturais diferentes ou apoiar activamente a sua capacidade de efectuar escolhas racionais, abrindo-lhes oportunidades sociais de educação e participação na sociedade civil?”
“Um ponto crucial tem a ver com a distinção entre multiculturalismo e aquilo a que podemos chamar “monoculturalismo plural”. […] Quando dois estilos ou tradições vivem lado a lado sem nunca se encontrarem, estamos em presença de monoculturalismo plural. E as vozes que se levantam hoje com tanta frequência para defender o multiculturalismo mais não fazem, muitas vezes, do que reivindicar um monoculturalismo plural.”
“… se a religião ou a pertença étnica podem constituir factores identitários fundamentais para os indivíduos (sobretudo se estes podem escolher livremente seguir ou rejeitar tradições herdadas ou atribuídas), esses indivíduos têm iguais razões para valorizar outros laços ou afinidades.”
“Os habitantes do planeta não podem ser exclusivamente apreciados pelo prisma da sua pertença religiosa, como se este fosse uma federação mundial de religiões.”
“O Governo britânico procura impedir os dirigentes religiosos de fazerem incitações ao ódio nas suas orações, o que é legítimo. Mas o problema é mais vasto: trata-se de saber se os cidadãos de origem imigrante devem ser considerados, em primeiro lugar, como membros de comunidades e etnicidades religiosas específicas; e não se sentirem britânicos senão através dessa pertença, numa suposta federação de comunidades. Percebe-se facilmente que esta visão tornaria qualquer país mais vulnerável à incitação e a uma cultura de violência sectária.”
“Uma nação não pode ser encarada como um conjunto de segmentos sequestrados, com cidadãos que têm lugares cativos em segmentos predeterminados.”
Infelizmente, não vejo possibilidade de atribuir outro sentido ao termo multiculturalismo do que aquele que prevaleceu, com a vitória simbólica dos comunitaristas: o de “monoculturalismo plural”. Por isso prefiro designar as estratégias alternativas para lidar com o pluralismo cultural no mundo contemporâneo com a expressão cosmopolitismo.