Elogio fúnebre
Chega hoje às bancas o último número de O Independente, um jornal que, há 18 anos, nasceu como «conservador, monárquico e nacionalista», num panorama jornalístico já então marcado pelo discurso da «neutralidade política». Ao contrário da Mariana, confesso que «gostei e comprei». Dizer, como diz a Mariana, que «a marca que O Independente deixa é a marca do jornalismo irresponsável» é bastante redutor. O jornalismo irresponsável e o jornalismo politicamente comprometido são fenómenos anteriores ao Independente. Basta lembrar a violência do jornalismo da monarquia constitucional e o exemplo de A Revolução de Setembro, de onde Rodrigues Sampaio saiu, directamente para o parlamento e para a pasta do Reino. Ou recordar como funciona historicamente o jornalismo nas democracias ocidentais, com publicações de maior ou menor qualidade, à esquerda e à direita. Infelizmente, com o fim há muito anunciado de O Independente, o que acaba não é o jornalismo irresponsável, mas a tradição do jornalismo politicamente definido. Se, desde a privatização da comunicação social, a esquerda nunca conseguiu fazer nada de qualidade e influência semelhantes, isso é culpa da esquerda, não é certamente culpa do Independente ou dos seus fundadores, que, há dez anos, todas as semanas conseguiam vender 90 mil exemplares de um jornal ideologicamente orientado por correntes minoritárias na sociedade portuguesa. Dir-se-á que era precisamente o tal lado «irresponsável» ou «tablóide» que fazia vender o jornal. A verdade é que, no caso concreto do Independente, o sucesso dessa linha tablóide era indissociável da qualidade dos jornalistas e da capacidade de marcar a agenda com objectivos políticos (anticavaquismo, anti-federalismo, refundação da direita, etc.). Nos últimos anos, sem objectivo político visível e já sem os principais colaboradores, o jornal continuou a fazer capas sensacionalistas sem que isso evitasse a progressiva perda de leitores. No fim do Independente, parece-me que o que fica de original é este lado político e, acima de tudo, a marca cultural, cuja natureza é muito mais geracional do que «de direita», como pretendia Eduardo Prado Coelho (hoje citado por Constança Cunha e Sá, no Público). Uma marca que, como já muitos notaram, se traduziu no fim do domínio da cultura francesa no debate intelectual, numa certa capacidade de não se levar tudo tão a sério e até na forma como hoje escrevemos, à qual ironicamente nem a Mariana, que nunca comprou O Independente, escapou (rematando à Independente: «O Independente acabou. E eu não terei saudades.»). Nesse sentido, como em tempos escreveu o Ivan, «O Independente ganhou as eleições».