segunda-feira, 4 de setembro de 2006

O PSD e a segurança social

1. Um dos riscos que qualquer líder da oposição corre num cenário maioria absoluta, e pior do que não ver as suas propostas traduzidas na realidade, é o de ficar a falar sozinho. Quando não se fala nos tempos certos e se apresentam propostas sem fundamentação, o risco cresce exponencialmente. A "insistência" de Marques Mendes num "pacto de regime" para a segurança social, de que os jornais fazem eco, tem todos os ingredientes para lhe criar uma situação desse tipo.

2. Comecemos pelos tempos. O actual Governo anunciou há largos meses a intenção de promover mudanças de fundo ("reformas", se se quiser) no sistema de segurança social e a vontade de o fazer promovendo um acordo em sede de concertação social. Esse processo de concertação começou. Vieram, de imediato, a público as propostas a partir das quais o Governo pretendia negociar com os parceiros sociais. Essas propostas foram discutidas em várias reuniões, espaçadas no tempo, da CPCS; houve tempo para reflexão, mudanças, ajustes. Durante todo esse tempo, o PSD primou pelo silêncio.
A poucos dias da conclusão das conversações entre os parceiros sociais e o Governo, e quando a comunicação social já anunciava que o acordo estaria próximo, o PSD anunciou que "ia apresentar nos próximos dias" uma proposta diferente, frisando a importância de um "acordo de regime" - do qual se excluíra até aí, por pura falta de comparência. Apresentou, pouco depois, com o acordo já feito, aquilo a que chamou uma "proposta", mas que na verdade era pouco mais que um "princípio". E é agora com essa "proposta" que Marques Mendes volta à carga: o plafonamento das contribuições para o sistema público, transferindo-as para uma conta pessoal de capitalização.
Essa "proposta diferente", diga-se, não é nova. Mas tem, para além de ressonâncias ideológicas de que podemos gostar ou não, um problema de monta: não só não é claro que mesmo no longo prazo o efeito sobre a segurança social será positivo (cada vez parece mais claro que é muito pouco provável que assim seja, aliás), como sai caro, e muito, nas próximas décadas, ao actual sistema - aquele que paga as pensões, e cujas perspectivas financeiras dispensam bem aventuras perigosas como esta.
Mais: confrontado com a pergunta básica ("como se paga isto?"), Marques Mendes propôs nada mais nada menos que a "emissão de dívida pública" (no valor total acumulado que está em causa, presume-se). Mesmo que Bruxelas permitisse que semelhante operação não fosse contabilizda no défice (e não permitiria, porque no caso português nada o justifica), a dívida existiria na mesma; seria na mesma monstruosa; e teria na mesma custos incomportáveis. Tudo em nome, recorde-se, de uma mudança cujos efeitos positivos, se existem, continuam por demonstrar.

3. Se o tempo em que o PSD anunciou que contribuiria para o debate foi uma tentativa de impedir o acordo de concertação social, falhou. Se apresentar uma "proposta" poucos dias depois de assinado um acordo por quase todos os parceiros sociais, e falando na necessidade de um "pacto de regime" foi uma tentativa para diminuir a legitimidade e o alcance do "pacto" conseguido em CPCS, falha também. Porque o "pacto" existe e só por má fé, e puro menosprezo pela concertação social, um partido que esteve calado durante meses numa questão como esta se pode permitir o luxo de entrar no debate...quando ele está a ser fechado.

4. Por princípio, nenhuma proposta substantiva do maior partido da oposição deve ficar sem resposta. Mas esta "proposta" já teve resposta: o pedido de dados que provem a sua bondade (i.e. os seus efeitos positivos sobre o sistema) e a sua viabilidade. Até agora, continuam as duas por demonstrar.
Neste quadro, a "insistência" na questão, sem mais dados novos que sustentem a "proposta" apresentada, está condenada a não produzir qualquer efeito substantivo. E só vai produzir um de dois efeitos no plano político: acentuar a evidência do tempo tardio e, sobretudo, da falta de sustentação da posição do PSD ou fazer passar a imagem de um Governo que não responde ao líder da oposição. Talvez seja este o jogo de Marques Mendes. Mas quer na substância quer na táctica, uma questão como a segurança social merecia outro tratamento.