Assuntos não urgentes: a letra do hino nacional
No 10 de Junho de 1997, António Alçada Baptista lançou a questão da necessidade de rever o Hino Nacional substituindo a sua letra por uma menos bélica. A sugestão provocou escândalo - a meu ver injustificado - e depois caíu no esquecimento.
Talvez haja quem nunca se tenha interrogado sobre o significado da parte final da estrofe da Portuguesa que usamos como Hino Nacional desde 1910. Talvez haja quem nunca tenha pensado que é absurdo apelar à marcha contra os canhões e que onde hoje está esta plavra estava originalmente "bretões" referindo-se a uma monarquia com quem tinhamos uma disputa sobre colónias, monarquia essa que hoje, feita a descolonização há muito, consideramos o nosso mais antigo aliado. Se o Hino sobreviveu ao 28 de Maio e ao 25 de Abril pode parecer absurdo examiná-lo agora. Não há crise nem mudança de regime, que é quando estas coisas costumam acontecer da noite para o dia.
Eu, como Alçada Baptista, preferia uma letra menos bélica e preferia que o hino do meu país não tivesse uma frase absurda apelando a marchas, que seriam suicidas, contra canhões.
Não é um assunto urgente. O verso estranho até só aparece no fim. E o hino pode muito bem ser cantado abstraindo dos significados históricos da letra. Não é dela que se extrai o seu significado actual e em Portugal temos vocação para compromissos cómodos. Mas que grande surpresa que Cavaco Silva criaria se em vez de, como fez Mário Soares, remeter a questão para a arca do esquecimento, tomasse a iniciativa de propôr a propósito dos cem anos da República que serão comemorados sob a sua Presidência uma iniciativa de aggiornamento do nosso hino. Valer-lhe-ia muitas incompreensões, mas a República agradecer-lhe-ia mais cedo ou mais tarde o atrevimento.