Ser professor na Suécia
«Sou sueco e professor. Trabalho em Portugal há muitos anos. Tenho feito o melhor possível, com falhas e com sucessos, com dificuldades umas vezes, mais agradável outras. Mas nunca, como agora, senti que me considerassem atrasado mental ou que eu próprio assim pensasse. É que, de repente, quando vejo a luta que os professores portugueses travam neste momento, sinto uma enorme e desesperante frustração, ao perceber que, na Suécia, toda a classe de professores tem sido, desde há longos anos, verdadeiramente estúpida e pouco esperta. Quando, para ter bons indicadores no ensino, com escolas, faculdades e institutos e laboratórios de investigação de bom nível (para além da saúde e da segurança social), aceitámos pagar 50-52 por cento de IRS, ter a reforma aos 65 anos, pagar 25 por cento de imposto sobre a pensão de reforma, ter um horário na escola mais sobrecarregado, com dedicação a múltiplas actividades, ter um estatuto de carreira mais duro e inflexível do que este que agora se quer introduzir aqui e ser avaliados com enorme rigor (que nem passaria pela cabeça de qualquer equipa ministerial em Portugal). Portanto, compreende-se que me sinta um pouco traído pelos meus governantes na Suécia.
O que me leva a concordar com a luta que os meus colegas portugueses mantêm agora. Pois, de facto, é muitíssimo melhor pagar só 35 por cento de IRS, pagar nada de imposto sobre a reforma (ou mesmo os 4 por cento que agora se quer introduzir), trabalhar menos na escola, como até aqui, sem a chatice de a escola ter de estar sempre em funcionamento com actividades da comunidade escolar e da comunidade em geral, com pouca avaliação ou nenhuma e com um estatuto de carreira mais permissivo.
Mesmo que, por isso, os resultados efectivos do ensino fossem muitíssimo mais fracos do que temos agora por lá, se calhar teria valido a pena não se ter apostado tão rigorosamente na organização do colectivo, pelo sacrifício estúpido dos cidadãos individualmente. Mas, por outro lado e pensando melhor, será que lá pelo Norte da Europa (Escandinávia e Finlândia) há 25 milhões de pessoas assim tão mentecaptas, que prefiram o sacrifício individual para manter aquele nível de vida colectivo? "Ah, mas lá têm condições!", ouve-se. Sim, têm. E deve ser porque são geniais, pois conseguiram ter condições, antes de as terem criado!
Não, está muito errado quem assim pensa. Custou muito, foi muito difícil, foi grande o sacrifício para criar as condições! Fixe-se bem esta realidade absolutamente verdadeira: os suecos não são melhores do que os portugueses!...
Ruben Marks
Maia»
Cartas ao Director, Público, 24 de Outubro