Novos ludistas
1. É em tom alarmado que o DN (15/01/07) anuncia que “metade da humanidade vai viver em cidades em 2008”. Especifica-se que “um sexto de todos esses citadinos (...) habitará bairros de lata sem quaisquer condições de salubridade”. E para que fique claro o sentido negativo da mudança, ilustra-se a notícia com uma foto de São Paulo, no Brasil, em que impressiona o contraste entre a favela e a cidade das torres e dos jardins.
Não explica, porém, porque preferem, anualmente, 60 milhões de pessoas ir viver para “zonas com poucas ou nenhumas infra-estruturas”. Será porque viviam melhor nos campos que abandonaram? Serão todos esses milhões indivíduos irracionais?
2. O problema não é a urbanização mas a pobreza que já existia, e agravada, nos campos, bem como a desigualdade que caracteriza os novos centros urbanos. A nostalgia por um paraíso rural que não existe hoje, como não existiu no passado, desfoca a atenção dos problemas reais e desvaloriza os ganhos civilizacionais potenciais que as cidades representaram e representam (ou tentam reservá-los para os que não são condenados a habitar as “reservas dos bons selvagens”).
3. É o mesmo discurso que encontramos na oposição à globalização. Como a urbanização, este é um processo que alarga as nossas oportunidades de liberdade e de inovação, ao mesmo tempo que nos liberta de “raízes” que nos amarram a localismos sufocantes e a tribalismos assassinos. E, como a urbanização, é marcado por desigualdades e por processos de domínio que podem e devem ser combatidos sem perder os ganhos civilizacionais associados ao desenvolvimento de um mundo mais global.
4. Os lamentos nostálgicos pelo mundo perdido com a urbanização e a globalização mistificam o passado e assemelham-se às reacções ludistas à mecanização da primeira industrialização.