terça-feira, 23 de janeiro de 2007

O desastre da Costa


A destruição da duna pelo mar na Costa da Caparica não começou ontem, nem há um par de semanas. Já tem uns quantos anos. Tenho dificuldade em recordar-me dos tempos em que no preia-mar havia alguma areia nas praias da vila e na de São João. Não deixa por isso de ser com absoluta surpresa que leio hoje, como li há um ano, os vários agentes com responsabilidades a anunciarem reuniões de emergência, encontros de última hora e a discutirem soluções ad-hoc. O que se tem passado nos últimos meses era uma desastre à espera de acontecer, pelo que a questão é saber o que andaram todas estas entidades a fazer nos últimos anos e não o que vão fazer agora. O desastre da Costa diz-nos muito sobre a incapacidade crónica dos agentes com responsabilidade na gestão do território em terem uma atitude preventiva. O que parece ser uma sina nacional com consequências desastrosas para a orla marítima.
Mas a destruição da Costa pelo homem também não começou ontem, nem há um par de anos. Aliás, não é independente do trabalho que o mar tem levado a cabo nos últimos anos. A Costa é um exemplo perfeito do terrorismo urbanístico, do modo como é possível destruir um enorme potencial por um misto de incúria, ausência de planificação e – só pode – alguma corrupção. Digo isto porque, tal como escreveu o João Pedro Henriques, começo a achar que o melhor que há a fazer agora é deixar o mar fazer o seu trabalho. Entrar por ali dentro e destruir o que houver a destruir, deixando a natureza repor o equilíbrio. Depois, começa-se de novo. Provavelmente é economicamente mais racional do que o reforço diário do cordão dunar e, no médio prazo, poderá até ter vantagens ecológicas. Entretanto, indemniza-se quem houver a indemnizar e pensa-se numa solução com pés e cabeça (eventualmente o esporão submerso).

comentário de Hélio Pires,
O colapso ecológico na Costa da Caparica tem muito de fruto de uma visão
preversa do "interesse nacional" que o faz equivaler necessariamente a
construção, enquanto a preservação ambiental é uma espécie de actividade
lúdica a ser suspensa quando esse mesmo "interesse" entra em jogo. Só se
assim se entende que áreas previamente delimitadas como sendo de Protecção
Especial ou Rede Natura - algumas delas no litoral e englobando áreas de
dunas - sejam "despromovidas" cada vez que surge um projecto classificado
como de "interesse nacional". E depois pagamos o preço tão à vista na
Caparica.
Temos dificuldade em entender que partes do território nacional já estão a
contribuir para o bem comum sendo o que são naturalmente. Temos um enorme
problema em ver mais do que terra vazia e por ocupar em terrenos onde não se
erga já um empreendimento turistico, uma urbanização ou um parque
industrial. Não reconhecemos áreas de ocupação natural e que sejam de
inegável interesse nacional ao serem tal como a Natureza as fez porque
absorvem as águas das cheias, porque servem de barreira ao mar ou porque
evitam o colapso de uma encosta. E porque não entendemos isso, depois
pagamos o preço de ter que fazer artificialmente aquilo que a Natureza já
faria por ela mesma, como seja o caso de esporões submersos. Sai caro,
porque se sobrepôs ao interesse nacional que era a preservação da linha
costeira o "interesse nacional" que exigia urbanização e a ocupação de
terrenos tidos como vazios. Deve ter enchido uns quantos bolsos e dado ares
de desenvolvimento, mas aí têm o resultado com as soluções em cima do joelho
à custa do herário público.
Já no Algarve, reforça-se arribas em risco de colapso com paredes de betão,
mas sem nunca se pôr em causa as construções feitas mesmo no limite das
encostas...

comentário de Paula Marques,

A Costa construí-se numa área plana protegida por uma falésia que há muitos,
muitos anos atrás seria de certeza lambida pelo mar. Não me admira que, passada
a era de gelo, degelo, este queira retomar os seus direitos. Eu ainda fui do
tempo das prais imensas. Como fui do tempo da fuga para as rochas que o mar
vinha galgar. E já nessa altura percebia que essa força seria imparável. Porquê
insistir em fechar os olhos? Há muita culpa na urbanização. Mas há também muita
força da natureza. Por favor, não a travem. É pior.