O «terceiro homem»?
É costume dizer-se que as eleições se ganham ao centro. Mas em França, aparentemente, as eleições ganham-se à direita. Desde 1958, só houve um presidente de esquerda (Mitterrand). O centro acaba sempre por apoiar a direita (ou vice-versa). E as sondagens mais recentes indicam que 90 por cento do eleitorado tenciona votar em quatro candidatos: um de esquerda (Ségolène), um de centro-direita (Bayrou), um de direita (Sarkozy) e outro de extrema-direita (Le Pen). Se em Portugal, por exemplo, onde a maioria dos eleitores se autoposiciona à esquerda, a esquerda ganha quando se aproxima do centro, imagine-se em França, onde a correlação de forças é claramente favorável à direita.
Deste ponto de vista, Ségolène até começou bem. Nas primárias do PSF, apostou na democracia participativa e na ideia de «uma ordem justa» como forma de contrariar o fosso entre elites e eleitorado, que em França atinge especialmente os socialistas. Ganhou popularidade para além do eleitorado tradicional do partido e, como tal, ganhou a confiança dos militantes socialistas (muitos deles novos militantes). A partir daí, assistiu-se a uma sucessão de asneiras. Nas habituais viagens de legitimação internacional, Ségolène foi passeando gaffes por esse mundo fora, aliás na senda da resposta que já havia dado à questão da adesão da Turquia à EU: «a minha posição será a dos franceses consultados em referendo». Ainda assim, tudo isto podia ter sido relativizado internamente, se a candidata tivesse aproveitado o programa eleitoral para corrigir as fragilidades reveladas em matéria de política externa e de política económica (aqui os conselhos de Strauss-Kahn podiam ser úteis). Acontece que em vez de apresentar um pacto presidencial digno desse nome, Ségolène apresentou uma espécie de Plano Nacional para o Desenvolvimento Económico e Social que ficaria bem a um candidato a ministro dos Assuntos Sociais do pós-guerra. Aumentos salariais, aumentos de pensões; nenhum grupo sócio-profissional foi esquecido nas «100 propositions». Tudo o que era novo na esquerda de Ségolène caiu, tudo o que era velho ficou.
Traumatizados pelo que aconteceu nas últimas presidenciais (fragmentação da esquerda, Le Pen na segunda volta), os estrategas socialistas optaram desta vez por unir a esquerda na primeira volta para chegar ao centro na segunda. Sucede que, desta vez, a concorrência não está à esquerda (as intenções de voto aí são residuais) mas ao centro, onde já há algum tempo François Bayrou aparecia como «o terceiro homem». As consequências desta estratégia do PSF estão hoje bem à vista. Segundo a última sondagem da CSA, Bayrou sobe 7 pontos e reúne 24 por cento das intenções de voto na primeira volta, estando apenas a um ponto da candidata socialista e a dois de Sarkozy. Mais: 55 por cento dos franceses querem vê-lo na segunda volta. Por este andar, o «terceiro homem» vai passar em breve a ser o segundo ou mesmo o primeiro homem das eleições presidenciais francesas. Mesmo que Ségolène, no meio da confusão, consiga chegar à segunda volta, terá muito mais dificuldades com o centrista Bayrou do que teria com o direitista Sarkozy.