Sombras sobre o futuro
Confesso que não tinha ideia do peso do carvão no abastecimento energético actual. Foi só ao ler o último número da Science & Vie que o descobri.
1. Descobri, por exemplo, que o carvão não só é a segunda fonte de energia primária, logo após o petróleo, como, ao contrário deste, tem acompanhado a procura crescente de energia nas últimas décadas (ver figura 1). Ou que o carvão é a principal fonte de electricidade, no plano mundial, posição que, inclusive, consolidou nos últimos 30 anos, representando hoje 40% da origem de toda a electricidade (ver figura 2): percentagem que sobe para cerca de 98% na Polónia, ultrapassa os 75% na África do Sul, China e Austrália e é superior a 50% na Alemanha e nos EUA.
2. Como o consumo do carvão é ainda mais poluente que o de petróleo, 40% das emissões de CO2 devem-se hoje ao uso energético do carvão (contra 35% em 1973: ver figura 3). A ameaça do efeito de estufa é assim reforçada pelo progressivo esgotamento do petróleo e a sua paulatina substituição por um carvão mais abundante (com reservas para centenas de anos) e mais equitativamente distribuído em termos geográficos. Ou seja, o uso do carvão é, no curto prazo, uma tentação a que será difícil resistir, sobretudo nas economias emergentes em rápido desenvolvimento: na China, constrói-se quase uma central eléctrica a carvão por semana.
3. É verdade que o uso do carvão encontra hoje limites no domínio em que continua a reinar o petróleo: o dos transportes (ver gráfico 4). Pense-se, porém, o que poderia significar a generalização do automóvel movido a electricidade produzida em centrais a carvão; para já não falar nas tentativas recentes de transformação do carvão em carburante, com uma qualidade bem superior à do usado durante a II Guerra Mundial. Soluções baratas mas com custos ambientais assustadores.
4. O risco de catástrofe ambiental associado ao uso crescente do carvão abre caminho à reavaliação positiva da alternativa nuclear, limpa em CO2. O risco do aquecimento é assim substituído pelo de acidente nuclear. Raio de escolha!
5. O Público dava conta, hoje, de projectos em curso de ampliação ou construção de grandes barragens em Portugal. Venham elas, mesmo não sendo isentos de consequências negativas no plano ambiental (e quais o são?). Incluindo a do Côa...
Figura 1. Produção total de energia primária
Figura 2. Produção total de energia eléctrica
Figura 3. Emissões de CO2
Figura 4. Consumo final por sectores, 2004
Fonte das figuras: International Energy Agency (IEA), Key World Energy Statistics 2006.