Questões políticas passageiras e questões de Estado
José Manuel Fernandes (JMF), director do Independente, perdão, do Público, escreve hoje, a propósito da intervenção ontem do ministro Mariano Gago, que “foi um erro misturar uma questão de Estado — o encerramento de uma universidade — com uma questão política por definição passageira — a licenciatura de José Sócrates”.
Deixemos de lado a curiosa afirmação sobre a ilegitimidade do pronunciamento de um ministro sobre os “episódios” da política — embora gostasse de saber o que diria JMF se um qualquer ministro, interrogado por jornalistas sobre um “episódio político”, respondesse qualquer coisa do género “este assunto não é uma questão de Estado mas uma questão política passageira, pelo que não respondo a perguntas sobre ele”.
Mas passemos ao essencial. A questão política passageira em causa tem uma particularidade: repete-se com demasiada frequência nos tempos que correm. Se cada episódio é passageiro, a sua sistematicidade não o é. Ou seja, não é episódica a sucessiva construção de episódios, aqui como noutros países, de destruição de lideranças políticas através da construção de “casos” mediáticos em que a produção da prova pertence a quem é acusado, não a quem acusa — sendo os estragos “colaterais” independentes da conclusão da referida produção da prova. Veja-se, aliás, o modo espantoso como Ricardo Dias Felner inicia, no mesmo número do Independente, perdão, do Público, o seu artigo sobre o caso em causa: “Quando José Sócrates se dirigir aos portugueses para lhes demonstrar que tem uma licenciatura regular…”. Se isto não é inversão do ónus da prova, não sei o que é tal coisa.
Ora o problema que se coloca com a inversão do ónus da prova nos “casos mediáticos” é que fere de morte o Estado de direito, sacrificando a liberdade ao despotismo. É pois uma questão de Estado, e das mais graves, que está em causa na sucessiva construção de episódios políticos como o que JMF refere no seu editorial de hoje no Independente, perdão, no Público.