Salazar votava em Salazar
Numa das últimas crónicas do Expresso, António Pinto Leite, com aquela candura habitual, escrevia o seguinte a propósito do concurso Grandes Portugueses: «A educação recebida no tempo de Salazar exaltava os feitos das nossas grandes figuras. Salazar não teria votado em Salazar. Pela educação que nos transmitiu, a História de Portugal tinha uma hierarquia e no topo, inacessível, estavam os únicos portugueses que, verdadeiramente, influenciaram a História Universal: a geração das descobertas». Esta conversa lembrou-me um livro que tive de ler para a cadeira de Introdução à História, no já longínquo ano de 1993. Este fim-de-semana encontrei, finalmente, o livro: História, Mitologia, Imaginário Nacional: A História no Curso dos Liceus (1885-1939), de Sérgio Campos Matos – um dos muitos exemplos de reflexão académica sobre o salazarismo que, por estes dias, muita gente disse não existir, provavelmente pela simples razão das conclusões produzidas nessas reflexões não irem ao encontro dos seus preconceitos. E o que nos diz Sérgio Campos Matos em relação ao periodo de 1933-1939? Que, de facto, como escreve Pinto Leite, «a educação recebida no tempo de Salazar exaltava os feitos das nossas grandes figuras». Que a educação salazarista tinha uma hierarquia, no topo da qual estava, para além do monástico Nuno Álvares e do nacionalista Afonso Henriques, o Infante D. Henrique das descobertas. E quem era o Infante da «educação recebida no tempo de Salazar»? O «representante da missão apostólica de Portugal», figura de referência na Mocidade Portuguesa e na Exposição do Mundo Português. Como é evidente, «a exaltação dos feitos das nossas grandes figuras» (Pinto Leite), pensada por algumas figuras do integralismo lusitano, tinha como único propósito «fazer reviver na veneração a Salazar os atributos dos antepassados míticos» (Sérgio Campos Matos).