domingo, 16 de março de 2008

A reforma do superior: vantagens do novo regime jurídico

A nova lei sobre o regime jurídico das instituições do ensino superior (RJIES), recebida com tanta resistência pela maioria dos reitores, responde à necessidade de urgente reforma das universidades portuguesas. São cinco as suas vantagens principais sobre o regime actual: permite uma diferenciação do sistema universitário, obriga a uma articulação entre ensino e investigação, reforça as condições de governabilidade das instituições, induz a qualificação do corpo docente e abre as portas a mais autonomia das instituições.

1. Em primeiro lugar, o RJIES permite uma maior diferenciação do sistema universitário, contemplando a possibilidade da existência de escolas universitárias e de institutos universitários, para além das universidades, bem como de instituições consorciais a par de instituições isoladas. Esta possibilidade poderá permitir uma especialização de cada instituição nas suas áreas de competência centrais, acabando com a pressão para a multiplicação de universidades generalistas mesmo quando a escala o não aconselhava, e viabilizando projectos comuns em parceria como mecanismo de alargamento para além do simples crescimento de cada instituição.

2. Em segundo lugar, o RJIES obriga a uma maior articulação entre ensino e investigação, acabando com o simples paralelismo entre estes dois domínios centrais da missão universitária. Será assim possível incrementar a qualidade do segundo e terceiro ciclos do ensino universitário, tirando pleno proveito da reforma introduzida com a adopção do modelo de Bolonha, e ganhar capacidade competitiva no plano internacional.

3. Em terceiro lugar, o RJIES reforça as condições de governabilidade das instituições universitárias, diferenciando o grau de responsabilidade dos diferentes corpos (docentes, estudantes e funcionários) na sua gestão, reforçando os poderes e responsabilidades dos reitores e atenuando as tendências corporativistas pela inclusão de membros externos nos conselhos gerais das universidades. No conjunto, fica mais fácil a introdução de dinâmicas de mudança sem se perder o essencial do controlo democrático da vida universitária.

4. Em quarto lugar, o RJIES obriga a uma maior qualificação do corpo docente. Para além de se induzir deste modo uma requalificação acelerada das universidades, e em particular das universidades privadas, viabiliza-se a criação, no curto prazo, de emprego científico que poderá dar resposta às expectativas de trabalho de inúmeros jovens doutorados.

5. Finalmente, o RJIES abre as portas a uma maior autonomia das instituições universitárias através da criação da possibilidade de estas, por acordo com o Governo, adoptarem um estatuto fundacional. A passagem de uma instituição universitária a fundação pública (com uns pós) de direito privado permite que estas se libertem do colete-de-forças da burocracia, ganhando margem de decisão acrescida nos planos da gestão financeiro e de pessoal — conservando, no entanto, a orientação pública da sua missão, para o que muito contribui a fixação de limites dessa autonomia em domínios como o das propinas ou o do regime de acesso.

6. A lei não é, obviamente, isenta de problemas, como são, em minha opinião, os que poderão resultar de uma assimetria excessiva entre os poderes dos conselhos gerais e os poderes dos reitores das universidades, tornando estes demasiado vulneráveis às pressões da tutela governamental (porque mais isolados perante esta). Entre esses problemas não está, porém, o que tem sido destacado em muitas das críticas: o de deixar muito em aberto na sua concretização. A possibilidade de delimitar nos estatutos de cada instituição o que agora está em aberto constitui um requisito fundamental da autonomia universitária, que não deve ser entendida como autonomia de um sistema universitário homogéneo no seu conjunto mas como autonomia de cada instituição do ensino universitário.

7. O receio da diversidade, e da saudável concorrência que esta viabilizará, é provavelmente a raiz de muita da insatisfação com a nova lei.

Texto originalmente publicado em