terça-feira, 22 de abril de 2008

Etnicidades

A Pública de domingo último inclui uma reportagem sobre o que chamou “comida étnica”. Duas observações.

1. Étnicos são os outros
No caderno principal do jornal, a reportagem era assim apresentada: “Comida étnica. Ninguém gosta de comer bacalhau todos os dias”. Percebe-se a ideia, mas convém ser picuinhas e chamar a atenção para o facto de, com os critérios usados, o bacalhau também ser “comida étnica”. No contexto da reportagem, a “etnicidade do bacalhau” só é invisível em Portugal por ser etnicidade dominante; porém, e pelas mesmas razões por que um caril é em Portugal classificado como prato étnico, também o bacalhau, quando prato de restaurante português fora de Portugal, teria um carácter étnico bem óbvio.
Às tantas, o melhor mesmo é deixar as etnias fora destes assuntos.

2. Etnicidade total
De entre as minhas partes preferidas da reportagem saliento aquela em que uma das entrevistadas reage ao que é designado por “etnicismo falso ou fortuito”, traduzido na existência de restaurantes onde da etnicidade sobraria apenas a culinária. A este tipo de restaurantes (abençoados sejam!) é oposta “a experiência étnica para além da mesa”, vivida nos restaurantes em que temos que gramar com canções e danças a acompanhar a refeição. Ok, deve haver quem goste, mas, por favor, poupem-nos à folclorização como norma e deixem-nos comer sossegados, sem juízos de valor.
E, uma vez mais, não seria melhor deixar as etnias de fora destes assuntos e apreciar, simplesmente, as vantagens do maior cosmopolitismo da sociedade portuguesa, nas suas múltiplas, mas não necessariamente sobrepostas, manifestações? Até porque é bem melhor ir introduzindo mais diversidade nas nossas vidas do que visitar regularmente os espaços mutuamente exclusivos do monoculturalismo plural.