“Que universidade queremos?”
É o título de um artigo de Maria Eduarda Gonçalves na versão portuguesa do Le Monde Diplomatique (Abril de 2008) que, como começa a ser infelizmente demasiado comum, critica um processo de reforma – neste caso a nova lei sobre o regime jurídico das instituições do ensino superior (RJIES) – a partir da construção de uma caricatura dos seus objectivos e da idealização da situação que é suposto necessitar de reforma.
1. A caricatura. Não é verdade que a lei em causa possa ser caracterizada, no essencial, como “concentração e centralização de poderes” e “maior orientação para o mercado”. Se é verdade que há um reforço dos poderes dos reitores, não é legítimo reduzir toda a reorganização das universidades a esse movimento. Por exemplo, a redução da representação dos estudantes nos órgãos de governo não quer dizer concentração e centralização, como argumenta Maria Eduarda Gonçalves, mas ponderação dos critérios de representação dos corpos em função das características destes, cuja ausência parcial na lei anterior era manifestamente demagógica (para além de parcial, pois sempre foi mais reduzida, i.e., diferentemente ponderada, a representação dos funcionários não docentes). Como maior preocupação com “indicadores de performance” nos critérios de financiamento não significa “orientação para o mercado” mas responsabilidade na aplicação e gestão dos dinheiros públicos – que é, aliás, um imperativo de defesa do interesse público.
2. A idealização. Não é legítimo nem qualificar simplesmente como “êxito” o desempenho das universidades nas últimas décadas, nem concluir que se houve êxito (e aceitamos provisoriamente que sim) isso aconteceu devido às características da lei que agora se muda. Por exemplo, o aumento da população estudantil deveu-se tanto ao trabalho das universidades (e politécnicos, já agora) como ao aumento do financiamento público (até recentemente) e, em muitos casos, apesar da lei: no ISCTE, para falar de uma situação de que sou testemunha, a aprovação de novos cursos e de novas vagas deparou sempre, no Senado, com a oposição da maioria (quando não da totalidade) dos representantes dos estudantes, sempre com o argumento de que era preciso, primeiro, consolidar a qualidade do que já existia. Por outro lado, se é verdade que foi um “êxito” o aumento da população estudantil, também é verdade que era agora necessário enfrentar novos desafios de qualificação das universidades, não sendo evidente que o que se diz ter servido no passado serviria necessariamente para o futuro. Por exemplo, há nas universidades portuguesas de hoje um excesso de academismo por rarefacção das relações entre ensino e investigação que é necessário mudar. A lei prevê, a este respeito, novas formas de participação dos centros de investigação quer na gestão das universidades quer na concretização das suas actividades de ensino no segundo e terceiro ciclos: contudo, sobre isto nada se diz.
3. O conservadorismo. Em rigor, a argumentação de Maria Eduarda Gonçalves é conservadora: acha que, no essencial, está tudo bem (um “êxito”), que se é preciso mudar tal deve ser feito devagar, devagarinho (“um estranho sentido de urgência”), que, pasme-se, a eventual adopção do regime de fundação pelas universidades que o queiram é questionável por, entre outras razões, ser esta uma “entidade sem tradição no nosso país” e, por fim, que soluções baseadas em experiências de outros países (“um modelo importado”) devem ser cuidadosamente avaliadas. Sem falar, é claro, na diabolização do mercado e do estado por contraponto às “expressões mais genuínas da sociedade” (comunidades locais, sindicatos, associações…).
Tão ou mais surpreendente é ainda o modo como é apresentado e discutido o regime fundacional. A esse tópico específico voltarei noutra altura.