Uma questão de escolha
1. Nos primeiros tempos do Canhoto chamámos a atenção para o facto, hoje cada vez mais conhecido, de Portugal ser o mais desigual dos países da UE (pré-alargamento, pelo menos). Há uma forte tendência para explicar este facto — que aliás nem todos reconhecem como indesejável — apenas com base em considerações estruturais. Sem eliminar de todo essas considerações — que podem ser importantes para percebermos as condições da acção política e os tempos das suas consequências — convirá salientar que a origem fundamental da desigualdade está na acção política.
2. A demonstração da tese da origem política da desigualdade (como da equidade) é feita de modo claro e convincente por Paul Krugman, para o caso norte-americano, num livro de leitura indispensável por quem quer que se reclame dos valores-chave da esquerda: The Conscience of a Liberal. Reclaiming America From the Right (Londres, Allen Lane/Penguin, 2008). Nele, o autor conclui, por um lado, que “America’s postwar middle-class society was created, in just the space of a few years, by the policies of the Roosevelt administration” (p. 7); por outro, que o retorno da desigualdade nos EUA foi o resultado de políticas da desigualdade activamente promovidas pela direita norte-americana, tendo nomeadamente como objectivo reduzir o estado-providência ao mínimo através de uma redução radical dos impostos e, sobretudo, da sua progressividade e selectividade.
3. Em Portugal, a escolha entre políticas de igualdade ou de desigualdade terá cada vez mais importância. Para os que pretendem a redução da desigualdade, recusando portanto a ideia de um estado-providência mínimo, o desenvolvimento de novas políticas de igualdade passa por aprender com erros alheios. Nomeadamente, passa por reforçar a eficácia e eficiência das instituições do estado-providência, sobretudo sabendo-se como a direita norte-americana ganhou nas eleições a possibilidade de aplicar o seu programa: brandindo a bandeira da redução dos impostos, definidos como expropriação pública do rendimento do esforço individual sem contrapartidas ajustadas. É por isso que não são apenas os sectores neoconservadores e neoliberais da direita portuguesa que têm a responsabilidade da persistência de um padrão nacional de elevada desigualdade. Também a têm, ainda que noutro patamar, os que, recusando qualquer reforma das instituições públicas, abrem a porta à demagogia populista anti-impostos; ou os que, sentados sobre o que o passado lhes ofereceu, recusam qualquer esforço para ampliar o efeito das políticas públicas sobre quem mais delas necessita, marginalizando do discurso sobre o “social” os seus destinatários. Como a têm, ainda, os que procuram no ambiente da acção política (a Europa, a globalização, …) a desculpa para a sua desistência reformista.