sábado, 10 de maio de 2008

Impostos em vez de propinas

Depois de João Rodrigues, também Pedro Sales decidiu ler o que não está escrito no meu texto sobre o financiamento das universidades. Especifiquemos pois o debate que ambos substituíram por pronunciamentos ideológicos gerais.

1. Como qualquer um que leia o meu texto do princípio ao fim com um mínimo de atenção entenderá facilmente, em abstracto é maior a minha simpatia pela solução “tudo nos impostos” em vez das propinas. Mais, em abstracto essa maior simpatia inclui também o “tudo nos impostos” como alternativa às próprias contribuições para a segurança social (tema a que voltarei noutra altura), não apenas às propinas.

2. No entanto, e ao contrário do que querem fazer crer ambos os críticos, o sistema de pagamento diferido das propinas, referido como alternativa possível tanto ao exclusivo financiamento público das universidades como ao actual sistema de propinas, é mesmo equivalente, mas temporalmente invertido, ao sistema das contribuições para a reforma. Se não for simplesmente confundido com o sistema dos empréstimos, é melhor do que o sistema de propinas que temos hoje.

3. “Tudo nos impostos”, em vez de propinas e/ou de contribuições para a segurança social, significa, como assinalo no texto, mais impostos, condição que não deve ser escamoteada do debate público, como o é geralmente nas intervenções de PCP e BE. Ou seja, se queremos manter a carga fiscal de hoje e limitar os efeitos perversos de taxas como as propinas, é melhor avaliar o valor de alternativas como a do pagamento não só diferido como controlado, faseado e condicionado das propinas, tal como o descrito no texto por mim já citado “Université: un autre financement est possible” (cuja ligação volto a colocar). Se, pelo contrário, admitirmos subir a carga fiscal, então será possível eliminar de vez as propinas (ou, no limite, as próprias contribuições para a segurança social).

4. A alternativa é política, não é técnica, embora os problemas técnicos da transição não sejam dos mais fáceis de resolver (sobretudo no domínio da segurança social). De facto, sendo a carga fiscal em Portugal das mais baixas da UE (ver gráfico), há neste domínio significativas possibilidades de progressão.


Carga fiscal em percentagem do PIB nos países da OCDE, 2005
[Nota: clique na imagem para a ver ampliada em janela própria.]
Fonte:
OCDE (2007), Revenue Statistics 1965-2006.


5. Evidentemente que o facto de, tecnicamente, ser possível subir os impostos para financiar integralmente os serviços públicos, não dispensa a necessidade de melhor gerir os dinheiros públicos. Para termos melhores serviços públicos não chega ter mais dinheiro, é preciso optimizar a sua utilização, pois nada é mais fácil do que gastar mal dinheiro extra, deixando por melhorar a qualidade ou a cobertura do serviço público que eram suposto beneficiar desse extra. Além do que com uma carga fiscal mais elevada serão sempre mais fortes as pressões para uma mais eficaz e eficiente gestão dos dinheiros públicos, sob pena de essa maior carga fiscal ser a muito curto prazo vista como totalmente ilegítima.

6. Como, para terminar, é ainda para evitar derrapagens na despesa e consequências muito aquém das esperadas que as metas a estabelecer por quem entende haver margem de progressão na carga fiscal devem ser metas de resultados, nunca de gastos (tipo 1% do PIB para a ciência ou 5% para a educação).